O que uma coxinha e um café me ensinaram sobre gratidão

Nós temos um tempo limitado na Terra.

Por que desperdiçar nossa energia preciosa nos preocupando com o que os outros estão fazendo ou pensando?

E daí que o cara é crente, ateu, gay, sertanejo, metaleiro, funkeiro, guru, empreendedor de palco,  comunista, fuma maconha ou vota no Crivella.

Tu não paga as contas dele, parceiro.

Foca na tua vida. Tens feito tudo direitinho? Qual tua missão nesse planeta? Já descobristes?

Desde que as primeiras redes sociais apareceram — antes disso, até… cês lembram do Fotolog? — nos viciamos em saber o que os outros estão fazendo. Onde foram no final de semana, se a balada foi top, quem pegando quem, quem comprou um pacote da CVC pro Nordeste, quem fazendo intercâmbio que o pai pagou, quem na merda. Esse tipo de comportamento sempre existiu, é verdade, mas como agora nos expomos mais, as pessoas não precisam sequer conversar umas com as outras pra saber — ou deduzir — o que ou não rolando.

Nós desperdiçamos nossa energia mental tendo inveja dos outros, julgando comportamentos ou mesmo tendo uma sensação de felicidade ao ver alguém se dando mal — sério, conheço gente assim. Aí te pergunto: pra quê?

Te dou um exemplo.

Dois, até.

Se teu sonho é viajar o mundo ou algo do tipo, pra quê passar horas do teu dia vendo as fotos das minas do Instagram que são pagas pra isso tomando espumante numa piscina de borda infinita?

Ao menos que você seja masoquista, pare de se torturar com esse tipo de coisa.

Chega um ponto em que as comparações se tornam inevitáveis. “Ela é mais nova que eu“. “Ela tem a minha idade“. Cara, você nem sabe se é a mina é realmente feliz. Tem muita gente que vive de aparências.

Esse tempo que você perde se martirizando, poderia focar suas energias em sair do lugar. Em tirar suas ideias do papel. Em trabalhar duro — acredite, nada vem fácil, inclusive pras minas do Instagram, ou você acha que a vida é espumante na piscina?

O outro exemplo é pessoal.

Tem uma galera que me viu no G1, viu o Projeto CR.U.SH na Folha de S.Paulo e às vezes vê alguém foda compartilhando um texto meu e logo pensa que automaticamente fiquei rico por causa disso.

Se eu recebesse R$1 por clique, realmente, já estaria milionário. Mas, o mundo real não funciona assim, amigo.

Li um desabafo do Murillo Leal do Casal do Blog que me chamou a atenção. Talvez por eu estar passando pela mesma coisa, talvez por, até então, eu também só o olhasse com os olhos de quem não sabe dos corres.

A gente só posta o que queremos que os outros vejam. Ninguém sabe as merdas que passamos. Ou mesmo as merdas que eu passei e continuo passando.

Esses dias postei uma foto minha de madrugada dormindo no aeroporto pra economizar o dinheiro do hotel. Dormi tão mal que até hoje meu pulso está doendo. Mas nêgo não vê e não sabe dessas coisas. Só imagina que eu fui pra SP ganhar dinheiro com alguma coisa — e esse nem foi o caso.

Não imagina, por exemplo, que naquele mesmo dia eu tomei café da manhã com um morador de rua. E que ele me fez ser grato pela minha vida e até pelos meus perrengues.

O cara me abordou na rodoviária de Tubarão (SC) e logo pensei que era um assalto. Julguei pela aparência. Sujo, mal vestido. Mas ele só queria um pastel.

Fomos juntos até a lanchonete.

— Pastel de carne? — perguntei.
— Pode ser uma coxinha, irmão.
— Uma coxinha pra ele.
— Rola um cafézinho pra acompanhar?
— Dois cafés. O teu é preto ou com leite?
— Com leite.
— Um café preto e um com leite, por favor.

O tal cara é o Vinícius. A história dele é a de vários outros por aí. Primeiro entrou nas drogas. Depois perdeu o emprego. Aí perdeu a mulher e, aos poucos, todo o resto. Foi pras ruas no início do ano. Diz ele que não é ladrão e há três meses largou o crack. Só que ninguém aí pra ele. Ninguém quer dar uma oportunidade pro Vinícius. A sociedade já o julgou pelo seu passado recente. Ele virou um zumbi, tipo Walking Dead. Anda por aí atrás de alimento só esperando a sua hora.

Esse tipo de convivência é difícil. Precisamos aprender a fazer o bem para outras pessoas sem esperarmos qualquer tipo de recompensa e, principalmente, sem julgamentos. Isso se chama empatia. Naquele momento a única coisa que estava ao meu alcance era a coxinha e o café com leite. Não lhe dei uma oportunidade, não lhe arrumei um emprego, não lhe dei um teto, mas matei sua fome naquela manhã. E eu não sei vocês, mas, se eu com fome, não consigo nem pensar direito. Imagina viver isso diariamente, cara.

À noite, naquele mesmo dia, lembrei do Vinícius quando me deitei num banco do aeroporto de Guarulhos e não conseguia dormir por estar desconfortável. Quero dizer, eu estava reclamando por ter que passar por aquilo — e hoje ainda o fiz, ao reclamar do meu pulso — naquela noite, mas e essa galera que dorme nas ruas todos os dias? Mano, eles não deixaram de ser humanos porque se viciaram numa droga ou perderam seus empregos e suas casas. Para de tratar teu cachorro melhor do que um dos nossos, porra.

A lição que tirei disso tudo e quero compartilhar é que, independente de sermos bem sucedidos ou não, dormirmos num hotel de luxo, num apartamento pequeno, num aeroporto ou nas ruas, nunca poderemos ter tudo o que queremos.

Naquele dia o Vinícius só queria um pastel. Ganhou uma coxinha e um café com leite. Ficou satisfeito, mas lá no fundo ele também queria uma casa e um trabalho. Já eu só queria fazer uma boa viagem e não ser perturbado por pedintes.

A real é que a felicidade não é ter tudo no mundo. Pelo contrário, a felicidade está em ser grato por todas as bênçãos que já temos. Independente se você acredita ou não em algum Deus. Sem julgamentos, lembra?

PS: No dia seguinte, em Florianópolis, fui abordado por um outro homem. Dizia ser de Porto Alegre e já ter dormido cinco noites naquela rodoviária. Só queria voltar pra casa e estava sem grana pra comprar a passagem de volta. E eu puto porque passei uma noite no aeroporto…

Matheus de Souza

Escritor e viajante. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Economia Criativa. LinkedIn Top Voice em 2016.

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