Imagine se um dia alguém afirmasse que existe um lugar no mundo onde as pessoas nascem e vivem em constante felicidade. O que você pensaria sobre essa pessoa?
Foi isso, dentre outras coisas, que afirmou Daniel Everett, um linguista americano, ao levar à comunidade científica seu conhecimento de décadas sobre uma pequena tribo de 400 índios que vivem às margens do rio Maici na divisa de Rondônia: os Pirahãs.
Na década de 70, ao chegar a essa tribo bastante isolada, John Everett, missionário na época, aprendeu a falar a diferente língua desse povo e notou que lhes faltavam alguns elementos linguísticos. Eles não tinham nomes para cores e não tinham ideia sobre números. Quando perguntada a quantidade de algo que lhe era posto na frente eles diziam pouco, muito ou suficiente. Eles não tinham mitos ou lendas e não conjugavam o passado nem o futuro.
Daniel percebeu, no entanto, que os índios daquela tribo eram sempre tranquilos e descontraídos e que nunca se agitavam ou pareciam preocupados.
Como podem viver sem números e como sabem as mães quantos filhos têm? Elas não sabiam precisar em números, mas sabiam seus nomes e tudo sobre cada um deles. Não sabiam quantas espécies vegetais e animais integravam seu habitat, mas tinham um conhecimento enciclopédico de cada uma delas. E o que mais chamava atenção era o fato de viverem no presente em tempo integral.
Quando a fome lhes vinha era só descer até o rio e pescar um peixe. Eles não se afligiam com o futuro e não carregavam arrependimentos pelo que um dia podiam ter feito no passado. Eles eram felizes.
Os cientistas se digladiaram discutindo questões meramente linguísticas apontadas pelo ex-missionário, como por exemplo, a capacidade desse povo de colocar ou não uma frase dentro da outra (recursividade), contudo uma luz acendeu na mente de muitos, algo que falava sobre tudo que aprendemos à respeito da felicidade.
E se vivêssemos, pensássemos e falássemos sobre o aqui e o agora apenas, como seria?
As crianças vivem esse júbilo, elas estão sempre despertas, curiosas e animadas. Tente explicar a uma criança que algo vai acontecer apenas em cinco minutos ou pergunte sobre seu dia e peça que conte tudo que aconteceu em detalhes. As crianças vivem inegavelmente no presente e a felicidade lhes parece inerente até que, certo dia, aprendem números e tempos verbais que conjugam o passado e o futuro.
Então crescem e passam à contar quanto tempo falta para ser o que querem ser. Contam as horas para um encontro, os dias para as férias, os anos para chegarem aos dezoito. Aprendem que a felicidade é composta por fragmentos alegres. Sendo adultos, afirmam genericamente que são felizes, contudo frente a qualquer frustração, decepção, descontentamento, arrependimento ou preocupação com o amanhã parece-lhes impossível afirmar tal coisa.
E se não somos felizes em determinado momento, o que é preciso para que o sejamos? Notem que agora já estamos falando de futuro.
Para essa pergunta existem inúmeras respostas. Ter uma casa própria, entrar em uma boa faculdade, conseguir determinado emprego, relacionar-se com tal pessoa, gerar um filho, fazer uma viagem, fazer uma plástica, abrir o próprio negócio e por ai vai. Assim passamos a mover esforços para alcançar a tão sonhada felicidade.
O anseio por ela é lucrativo. Ser feliz não. Necessidades para que sejamos felizes são criadas todos os dias. Um mundo de dinheiro gira em torno disso.
Daniel Everett não conseguiu vender a própria crença religiosa aos Pirahã, pelo contrário, a abandonou. Contudo foi agraciado com o segredo mágico da felicidade. Até mesmo o fotógrafo rondoniense Gabriel Bicho que tirou as fotos que ilustram esse texto afirmou ter percebido nesse povo algo diferente, definido por ele como uma imensa doçura na voz e olhares de profundidade sem igual.
E sobre o que pensaríamos nós sobre alguém que nos viesse afirmar que existe no mundo um grupo de pessoas que vive em constante felicidade…certamente pensaríamos que este alguém é mentiroso. E foi assim que o linguista americano foi taxado por muitos da comunidade científica e por tantos outros que não faziam parte dela, tendo recebido após a publicação de seu artigo no periódico “Current Anthropology” em 2005 uma enxurrada de e-mails nada amigáveis.
A questão se tornou tão interessante que gerou um documentário intitulado “The Amazon Code – The Grammar Of Happiness”,o qual aconselho imensamente. O linguista americano nunca mais voltou à tribo, apesar de o desejar e tendo em vista o notório destaque dado aos Pirahã depois que Daniel os lançou frente ao mundo científico, o governo brasileiro se apressou em levar até a tribo uma escola para ensinar os números, o passado e o futuro e uma televisão para mostrar-lhes como é feliz este nosso mundo.
Essa rápida iniciativa mascarou o que de relance pareceu brilhar aos olhos de todos. Sair um pouco (ou muito) das amarras do sistema pode ser uma boa resposta para nossas indagações sobre a felicidade. Contudo tendo aprendido a viver de acordo com as regras dele, a felicidade nos será lamentavelmente vendida a conta gotas.
“Palavras são mágicas, são como encantamentos sublimes que nos levam para onde quisermos, seja esse onde um lugar ou uma pessoa”. Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.
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