Naquela manhã quente, ela foi à praia como quem não quer nada. Diferente das demais jovens que conhecia, ousava isolar-se nas pedras escorregadias a buscar ostras. Seu sentimento de viver era meticuloso. Não combinava com o azul do cosmos, não se agregava a nada nem a ninguém.

Demorou uma vida, até conseguir virar-se e olhar aquele homem tão estranho quanto a cor da pele e o corpo magro, forte, jovem.

Este homem, deu-lhe a mão para que se levantasse sem esforço. Olharam-se por algum tempo incomum. Estranharam-se. Eram 11 horas. Satisfeito, ele agradeceu. Mas, ficou lá, parado, olhando cada parte de seu corpo. Foram caminhando pela areia fina em silêncio. Não se contiveram na conversa.

Ele era um habitante da ilha. Ela era um habitante do planeta terra. Somente entre pausas e pés, sentiu desejo de beijar-lhe. Sem nomes, nem identidades traçadas. Era o momento. Aquele sol que se escondia e brilhava, faziam do homem bonito, uma paixão indefinida. Não importava. Ele lhe segurou a mão, deixou-a no espaço. Perdendo o chão, foi direto para o paraíso de sua boca.Caminho curto para o paraíso.

De vez em quando, um barco. De vez, ela se levaria do barco ao outro lado do horizonte. Não havia o outro lado. Havia a ilusão do outro lado. Ela morria de rir, com vontade de escorregar do limbo para ser a mulher. Aconteceu.

O barco sumiu em uma manhã cinzenta. Tudo se tornou mais pesado sem a imagem do barco. Sem seu delírio, prendeu-se a um galho perdido e nervosamente o quebrou. Cada pedaço de árvore, solto ao vento da agonia. A lamentável dor daquela dia, lhe trouxe uma voz masculina que perguntava docemente. Que horas são? Desequilibrada na pedra, só viu os pés.

O mundo girou, mexendo os corpos enlouquecidos. Os quadris, as pernas, os pés se cruzaram numa dança esquisita. Bunda, braços, boca.

Sentidos que morrem e nascem da paixão. Sem explicação. Sem palavras. Sem medo. A paixão do momento, não parou aí. Viveram tudo. A entrega de corpo e alma. A carícia dos que se permitem amar de novo. a paixão não pede licença. Ela avança o sinal e traz flores violetas. A paixão não quer saber, nem entender, nem controlar. a paixão não é tormento. É paixão,  gloriosa em sua louca invasão de mãos que se estendem suavemente e se falam em silêncio. Paixão escondida, paixão espremida no gozo. Até a água salgada do mar, aprofundar-se nas entranhas e permitir a total ausência de juízo. Paixão demorada. Paixão bem humorada. O horizonte foi testemunha dos risos soltos e disse a areia que ela era feliz.

Fernanda Villas Boas

Fernanda Luiza Kruse Villas Bôas nasceu em Recife, Pernambuco, no Brasil. Aos cinco anos veio morar no Rio de Janeiro com sua família, partindo para Washington D.C com a família por quatro anos durante sua adolescência. Lá terminou o ensino médio e cursou um ano na Georgetown University. Fernanda tem uma rica vida acadêmica. Professora de Inglês, Português e Literaturas, pela UFRJ, Mestre em Literatura King´s College, University of London. É Mestre em Comunicação pela UFRJ e Psicóloga pela Faculdade de Psicologia na Universidade Santa Úrsula, com especialidade. Em Carl Gustav Jung em 1998. É escritora e psicóloga junguiana e com esta escolha tornou-se uma amante profunda da arte literária e da alma, psique humana. Fernanda Villas Bôas tem vários livros publicados, tais como: No Limiar da Liberdade; Luz Própria; Análise Poética do Discurso de Orfeu; Agora eu era o Herói – Estudo dos Arquétipos junguianos no discurso simbólico de Chico Buarque e A Fração Inatingivel; é um fantasma de sua própria pessoa, buscando sempre suprir o desejo de ser presente diante do sofrimento humano e às almas que a procuram. A literatura e a psicologia analítica, caminham juntas. Preenchendo os espaços abertos da ficção, Fernanda faz o caminho da mente universal e daí reconstrói o caminho de volta, servindo e desenvolvendo à sociedade o reflexo de suas próprias projeções.

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Fernanda Villas Boas
Tags: paixão

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