Tenho escutado e lido seguidamente que a verdade de cada um encontra-se num lugar chamado silêncio.
Mera coincidência não pode ser. Porque nestes dias também eu me descubro aos poucos – como uma suave cortina que desce na frente do palco -, dotada de um silêncio avassalador que me fala coisas que nunca tive coragem de vivê-las a fundo. Sou muito mais movida pelo silêncio como minha forma mais essencial de me sentir viva.
Com o silêncio diálogo de forma mais profunda; as palavras se juntam e dão corpo a uma coisa que me transcende; é em meu silêncio que me pertenço mais puramente. É o silêncio que posso chamar de COISA, porque tem um duplo sentido, de liberdade e verdade.
Se for para me alertar sobre algo, meu silêncio já alcançou seu fim. Que sou obviamente misturada e misticamente envolvida na sensação opaca – lúcida lá na frente – do que o que eu digo mais interiormente é o que mais comprova meus gostos e sensações de quem sou. Sou o próprio silêncio cortado pelos rasgos incontidos de uma garganta mal acostumada a se calar perante o desconhecido revelado.
Como pode um tempestuoso ser indefinível, sutil e miraculosamente silencioso diante do mundo, tocar tão misteriosamente o que protegemos até de nós próprios? Eu, a pessoa protegida de mim, inteiramente pelo silêncio anterior a minha construção de qualquer som emitido.
Quase tenho mais palavras para falar sobre o que tenho agora em mãos – O SILÊNCIO, este poderoso antídoto contra todas as dores e atrocidades humanas – como não as teria para falar de algo mais corriqueiro e presente em meu cotidiano. É mais difícil acertar as contas com o óbvio que aniquila pessoas e personagens todos os dias.
E esse gozo eufórico de tratar do intenso encanto do que precede como a fé de uma prece vai tomando contornos tão nossos e originais, que não saberíamos colocar em outras mãos para simplesmente pertencer a alguém.
Diante dos silêncios imersos de cada um, não tenho como construir o que se é. Tudo vem velozmente acertando o próximo alvo. Quem estará ali, envolvido no próximo silencio? Alguém não quer falar, prefere calar ao mais fundo de si e ver se resta algo inesperado – a evocação de quem sempre esteve ali. A companhia de todas as horas.
O silencio eterniza a palavra não dita, o que se estava para dizer e calou-se. O medo, o pavor, a timidez preservada. Meros espectros. Quando alguém toca a ferida alheia, não é por meio da palavra dita? Não esqueçamos que também existem olhares avassaladores que protegem o que se vai dizer.
E por pouco tempo tudo depende da opção, da escolha da ferramenta com que se vai pescar dentro de si. (Clarice (Lispector) usava a “palavra como isca”) Mas tudo lhe vinha do silêncio e tornava-se uma forma de falar brutamente existente, que parecia erguer-se a quatro mãos, para apoiar o corpo todo nessa força bruta incessante.
Outra coisa: há inventividade e muito atrevimento nos silêncios de cada um.
Imagem de capa: Nina Buday/shutterstock