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O esplêndido roteirista de cinema Jean-Claude Carrière – que teve seus textos filmados por Luís Buñuel, Hector Babenco, Milos Forman, Volker Schondorff, Nagisa Oshima, Jean-Luc Godard, entre outros – disse em uma entrevista:
“O que salva a humanidade é o tédio”. E continuou mais ou menos assim: “As pessoas assistem a programas ruins por anos, aí um dia sentem tédio e mudam de canal, ou vão fazer outra coisa”.
Li isso faz muito tempo. Nunca esqueci. As palavras do Carrière me esperançaram. Tenho certeza que o tédio salvará, numa data futura, os fãs do BBB, do Fantástico, do Painel da Globo News. Aliás, o tédio já me salvou de algumas obsessões e até de paixões prolongadas.
Tédio, palavra latina, tem ligação direta com desprazer e cansaço. Vale perguntar: o desprazer leva ao cansaço, ou o cansaço leva ao desprazer? Parecido com o clássico slogan da Tostines: Vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais?
Certa vez surpreendi meu sobrinho Jerônimo, quando ele tinha cinco anos, com uma expressão de inequívoco tédio. Perguntei no que ele estava pensando. O garotinho respondeu com um suspiro longo. Daí me recordei que eu também sentia tédio quando criança.
Sensação de morte em vida. Nada a fazer. Meu saudoso cachorro Chico também dava umas suspiradas de puro tédio. Eu desassossegava, pois não conseguia conversar com ele. Sempre fui péssima com línguas estrangeiras.
Nada mais difícil do que tentar entabular comunicação com alguém atacado de tédio. Nenhuma sílaba flui, nem pensamento se completa. Tenho a impressão que o poderoso tédio corta sinapses.
Fugir dele é possível? Só desfazendo o foco. Pode ser simples como trocar a posição da bunda na cadeira. Complicado como mudar de companheira ou companheiro. Ou ainda mudar de patrão, padaria, salão de beleza, partido político.
Eu acreditava que o tédio era sentimento nefasto até ler a entrevista do mestre roteirista Jean-Claude Carrière. Depois dela, entendi o papel altamente revolucionário de se entediar.
Bem como, o poder de uma de suas manifestações: o bocejo. Agora se bocejo ao ler um livro, passo para outro. Se bocejo ao ouvir uma ideia, desconfio.
Ops! É bom parar com essas linhas. Vai que você comece a se entediar. Seria desastroso para mim. Talvez para evitar o tédio do leitor, escrevinhadores devam produzir textos mais curtos e bem variados.