Por Gabriela Gasparin
“Eu passei a vida toda trabalhando, entendeu? Sempre cumpri com minhas obrigações e sempre fui perseguido sem fazer nada de errado, só fazendo o bem. Por isso, o tempo passou e eu vivi sem viver, entendeu? Responsabilidades.”
A frase acima é do pernambucano Edvaldo Veras, de 84 anos. O depoimento dele, que aconteceu naturalmente, sem eu pedir, é para mim um dos mais impactantes (e reflexivos) que já escutei desde que comecei a escrever “sentidos da vida” no blog Vidaria.
Por causa do tom “amargo” de sua história, eu ponderei antes de publicá-la. Certo dia, porém, minha amiga Vanessa, com quem eu estava quando o encontramos em uma viagem, perguntou se eu não ia escrever a história dele. Aí eu pensei, por que não?
Curiosamente Edvaldo, que acredita não ter aproveitado a vida, é dono de uma loja de antiguidades chamada “Tempo”. Minha amiga Vanessa, que guardou o cartão dele até hoje, diz: “Chama ‘Tempo’. Mas ele fez uma rasura em todos os cartões e acrescentou com caneta um “s” no final. “TempoS”. Sabe-se lá quantos tempos a gente tem na vida.”
Foi meio sem querer que eu e minha amiga Vanessa fomos parar dentro da lojinha do afogadense (ele nasceu em Afogados da Ingazeira- PE). “Turistávamos” pelo Recife Antigo quando ela parou para fotografar um homem que estava sentado em frente à loja. Edvaldo estava do lado, puxou papo e nos convidou para conhecer o estabelecimento.
Entramos pela porta estreita da lojinha e demos de cara com um “corredor” escuro, cheio de objetos que um dia já foram úteis para alguém, mas hoje acumulam pó dentro do comércio: porcelanas, abajures, copos, relógios, telefones antigos, estatuetas e tudo o mais que você pode imaginar.
Enquanto nos mostrava as mercadorias, Edvaldo começou a desabafar: “Isso aqui eu acumulei a vida toda. Sempre gostei de colecioná-los”. Contou que se casou com uma mulher jovem e disse que prometeu para sua mãe que cumpriria com as obrigações do casamento.
Nos cerca de 15 minutos que fiquei com minha amiga na lojinha de Edvaldo, ele contou toda sua história e, em tom amargo, lamentou a vida que levara.
Disse que sempre foi funcionário público. Após a aposentadoria, abriu a lojinha para vender e se desfazer de objetos que guardou e colecionou por toda a vida, mas que já não faziam mais sentido. Revelou que o casamento o prendia, mas que cumpria as obrigações do matrimônio. Insistia muito na tecla de ter passado os anos cumprindo obrigações. “O maior problema sempre é a responsabilidade que Deus me deu e eu vou morrer com ela.”
Eu e minha amiga deixamos o local e nos despedimos de Edvaldo. Quando já estávamos na calçada adiante eu comentei com ela: “nossa, que história triste, né? Até pensei em perguntar para ele o sentido da vida, mas não sei se devo”. “E por que não?” – ela respondeu.
Voltamos e eu, com o gravador em mãos, ouvi a resposta de Edvaldo Veras sobre o sentido da vida:
“Eu acho que a gente, quando nasce, a vida da gente já está traçada, tudo o que você vai passar. Não adianta você subir uma ladeira se você não tem condições de subir, se você está cansado. Você insistir. O que você não nasceu para ter você não terá nunca, não adianta insistir. Muitos fracassos insistem embora você tenha… E assim é a vida. Para mim, naturalmente, não tem mais sentido, não. Cheguei aos 84 anos de idade, agora é esperar que Deus me chame.”
– O senhor acredita em destino?
“Eu acho que é. O destino faz parte também… Cada um nasce com um temperamento diferente, você tem as responsabilidades. Tem uns que não ligam para nada, levam a vida à vontade e vivem. E outros são responsáveis demais, e não vivem.”
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