Nunca saberemos em que momento, exatamente, nós passamos a acreditar que tudo o que precisamos está contido em coisas que precisamos adquirir; conquistar; comprar. Jamais teremos a dimensão exata do subjugo a que nos submetemos durante anos e anos, em busca de recompensas que justifiquem tamanho sacrifício. Talvez, passemos toda uma vida sem nos darmos conta de que é lá dentro de nós que acontecem as vitórias. E elas não têm relação alguma com nenhum objeto que por ventura viermos a conquistar; seja ele um bem grandioso ou uma pequena extravagância.
De todas as coisas que perdemos na vida, enquanto andamos por aí feito andróides programados para acumular bens, a mais valiosa é a nossa capacidade de perceber o limiar entre o que é maravilhoso e o que é só uma ilusão. Andamos a procura de fogos de artifício que têm sua beleza atrelada a pouquíssimos minutos reservados ao seu espetáculo no céu. Vivemos o tempo todo reagindo, sem refletir, aos estímulos que recebemos. Somos ratinhos brancos correndo dentro de uma rodinha que nunca para.
A perda da capacidade de perceber que somos manipulados por nossos próprios desejos nos transforma em reféns de nós mesmos. Vivemos acorrentados às verdades pelas quais pagamos muito caro. Vivemos amordaçados, impedidos de ouvir de nossa própria boca o que, afinal de contas, temos realmente para dizer.
Enquanto permanecemos reagindo aos estímulos, vamos perdendo de vista a pessoa inteira que mora dentro de nós. Em algum lugar escondido há um ser que anseia por respirar, tirar a cabeça para fora desse mergulho em águas estrangeiras. Vivemos muito mais as vidas que esperam de nós do que a vida que desejamos viver.
Curiosa contradição é o que somos. Exatamente por nos preocuparmos tanto com o que irão pensar de nós, nos esquecemos de considerar o impacto de nossas ações em nossa vida, na vida do nosso próximo e na vida dos nossos distantes. E, quantos dos nossos próximos acabaram se transformando em pessoas distantes? Gente querida que amamos tanto um dia e agora nem reconhecemos mais; perdemos o contato, o vínculo, a proximidade.
É bem verdade que muitas vezes somos apenas um capítulo no livro da vida de alguém, assim como o contrário. No entanto, se formos congelando cada capítulo escrito, ao final do caminho teremos um livro superficial, raso, desconexo. Deveríamos honrar cada capítulo com a mesma reverência. Não importa que tenhamos acolhido com amor alguém que nos trouxe sofrimento depois. O sofrimento é aprendizado também. O sofrimento é parte do processo; é inevitável e altamente educativo. Quem dera um dia fôssemos capazes de não apenas doer; mas incluir na dor algo que nos humanize mais, algo que nos faça enxergar além do óbvio.
Somos tão afoitos, ansiosos e vorazes que estamos nos tornando personagens isolados em torres altamente seguras e seletivas. Quando conversamos, não conseguimos silenciar a boca e a mente para tentar entender o que, de fato, o outro tem a nos dizer; o que ele deixou de nos dizer, por cautela ou malícia; o que está dito nas entrelinhas, ilustrado no piscar dos olhos, na expressão do rosto, na movimentação do corpo. Nossas mentes barulhentas e inquietas nos aprisionam num mundo paralelo, onde todas as pessoas vivem automaticamente. Quem sabe, agora que nós estamos parados aqui, eu desse lado, você aí do outro, não posamos nos ajudar a encontrar o real significado disso tudo. Quem sabe não acabemos por entender que todas as pequenas e valiosas pessoas e momentos que deixamos para trás, merecem, enfim, um minuto de silêncio.
Ana Macarini