O veneno não está apenas na carne. Está no ar, na terra e em todos os alimentos que chegam à nossa mesa. Visando apenas o lucro, “os impérios do campo” nos obrigam a pagar com dinheiro e com a saúde pelos seus tesouros cancerígenos.
Eduardo Galeano disse que “Se a natureza fosse um banco, já teria sido salva”. Como também aduziu, ao magicamente acrescentar um novo mandamento às sagradas escrituras, que “Devemos amar a natureza, da qual somos parte”. As falas do uruguaio parecem óbvias, e assim as são, porque a literatura serve para isso: mostrar o óbvio, que ao vir à tona, evidencia – lembrando Fahrenheit 451 – os poros do rosto da vida. No entanto, se é claro como água que somos partes da natureza e que, portanto, devemos cuidá-la como se estivéssemos cuidando de nós mesmos, já que, afinal, é isso; por que, então, ela é reduzida ao atendimento dos interesses econômicos?
Essa problemática é trabalhada por Silvio Tendler no documentário “O Veneno Está Na Mesa”, dividido em duas partes e disponíveis na íntegra no YouTube. Ao longo do filme, vamos sendo apresentados ao mundo perverso do agronegócio, que com as suas grandes empresas e seu complexo agroindustrial, fatura toneladas de dinheiro, ao passo que despeja, literalmente, veneno na comida que chega às nossas mesas, causando diversos problemas de saúde, desde intoxicação, problemas respiratórios, doenças crônicas, câncer, até sendo causa de má formação fetal, aborto e infertilidade.
E os dados mostram que a grande parte dos alimentos que consumimos contém algum tipo de substância química que faz mal à saúde e, consequentemente, é gerador de doenças.
Dentre essas substâncias, algumas são proibidas, embora a grande parte seja liberada, o que torna algo extremamente difícil de ser controlado, uma vez que o próprio sistema legislativo/fiscalizador acaba por ser conivente com as arbitrariedades apresentadas.
O envenenamento que sofremos constantemente, seja ingerindo os alimentos, seja manipulando todas essas substâncias, é apenas um lado da moeda, que possui do outro, a poluição e destruição do meio ambiente, do solo, das florestas e de toda biodiversidade que sofre para que haja o erigimento de verdadeiros impérios do campo, já que a maior parte do mercado é controlado por pouquíssimas empresas, que criaram monopólios no que tange ao mercado de insumos agrícolas, “indispensáveis” para quem quer fazer agricultura.
Essa é uma questão mundial, mas, notadamente no Brasil, que é onde o documentário se específica, existe uma dificuldade enorme, até mesmo para o pequeno produtor, de trabalhar sem os venenos oferecidos pelas empresas que dominam o mercado. Há uma rigidez muito grande para que o produtor consiga financiamentos para a sua lavoura junto ao poder bancário. Para tanto, é necessário que a sua lavoura seja convencional, isto é, use no seu processo de produção todos os produtos do “kit câncer”: sementes, fertilizantes, adubos químicos e, é claro, inseticidas, próprios para combater pragas, ainda que a maior praga sejam eles mesmos.
Para o produtor que pretenda desenvolver uma produção orgânica, as portas se fecham, ou melhor, as cercas; deixando de receber qualquer tipo de incentivo (privado ou estatal) a fim de potencializar algo que pode (e deve) ser a saída para uma vida mais saudável para a natureza, o que, neste ponto, você já deve ter compreendido que também somos nós.
Contando com grande apoio do poder político, que muitas vezes tem suas campanhas financiadas pelo agronegócio, quando não, são parte deste, a cerca que separa o produtor da agricultura orgânica só faz aumentar. Até mesmo os órgãos e entidades que deveriam nos proteger desses males são alvo de pressões pela classe de política, a fim de que o agronegócio seja mantido livremente, com pouca regulamentação e fiscalização, gerando ainda mais lucros e ceifando vidas.
Obviamente, todos sabemos da importância da produção de commodities para o Estado brasileiro, sobretudo nesse período de crise. Entretanto, isso não significa que em nome de uma balança comercial e dos lucros exorbitantes de pouquíssimas pessoas, nós devamos ou sejamos obrigados a pagar o preço com a nossa própria saúde. Existem caminhos e saídas para esse problema, como também mostra o documentário.
A produção orgânica ou agroecologia não só é possível, como é capaz de alimentar a população de maneira saudável e econômica, fazendo cair por terra o mito de que ela é impagável para o povo, como faz pensar aqueles que lucram com a miséria. Todavia, para que isso ocorra é imprescindível que haja a diminuição das desigualdades sociais no campo e que o Estado seja capaz de estimular empreendimentos que visem à produção de alimentos como uma fonte de saúde e não somente como uma forma de “fazer dinheiro”.
Sendo assim, o pequeno produtor precisa ganhar espaço e ter as cercas que o separam de uma agriculta saudável retiradas, porque se hoje estima-se que 50% dos alimentos que chegam às mesas são provenientes dos pequenos produtores, que possuem apenas 20% das terras agricultáveis, o que poderia ser feito se eles possuíssem 50% das terras e incentivos na sua produção sem que tenham que se submeter aos interesses do esquema perverso do “agrobusiness”?
Pero Vaz de Caminha ao escrever para o rei de Portugal sobre as novas terras que avistava disse que aqui não havia ouro, nem prata, mas que se plantando, tudo dá. Passados mais de 500 anos, parece-me, que a afirmação de Caminha estava certa, embora o manancial natural não esteja sendo utilizado para nos conectar à verdadeira riqueza da nossa terra, mas antes, para conectar a riqueza da nossa terra aos sempre novos, insistentes e perversos “descobridores”.
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