Olá, Dona Tristeza! Talvez seja mesmo da sua natureza, aparecer assim, sem avisar. Se eu soubesse que viria, teria colocado um vestido florido, um batom colorido, um perfume de flor. Mas, como chegou de repente, apenas posso lhe oferecer um aceno breve, um carinho leve como prova de amor. Fique à vontade. Sente-se na varanda para ver o pôr-do-sol. Escolha um livro da estante e aproveite a viagem da história. Encante-se com as minhas orquídeas, brinque um pouquinho com os gatos. Quem sabe não fique tocada pelo amor que vive nessa casa, esqueça de ser tão séria e deixe escapar um sorriso.
Mas, se depois de ter a chance de conhecer meus cantos e os encantos desse lar, ainda quiser ficar… Espero que me perdoe a falta de atenção. Acabo de colocar um bolo no forno, tenho gavetas a arrumar, fotos a visitar, histórias a escrever e uma vida para viver. Como pode ver, há tantas coisas a quem dar a minha doce atenção. Não posso me sentar com você na sala e dar ouvidos eternos às suas mágoas antigas.
Assim, se tiver que chorar, que seja um deságue bendito. Que jorre do seu peito, todos de uma vez: o medo, a dor e a raiva. Deixe que escorram por aí, soltos, aceitos e libertos. Hei de achar um vaso bonito para guardar suas lágrimas e transformá-las em algo fecundo, no alimento de alguma flor.
E, depois de chorar, descanse um pouquinho. Aproveite a moleza que brota por todas partes do corpo, depois que a gente deságua. Deite sua cabecinha prateada de sonhos esquecidos no travesseiro cheiroso de camomila. Esqueça um pouco de doer. Feche os olhos, de um jeito manso e entregue. Aproveite a quietude que vem depois da tempestade.
E, se quando acordar, ainda quiser conversar comigo… Venha desarmada. Diga, sem rodeios, o que quer. Não me prenda em suas rendas incertas, de uma melancolia preguiçosa, que nem germina, nem floresce. Abra seu coração comigo. Somos amigas de longa data.
Hei de entender seus motivos, sua falta de jeito, sua persistência. Hei de ouvir seus gemidos e fazer poesia de seus segredos. Por fim, faça a gentileza de partir de mansinho. Feche a porta devagarinho, não olhe para trás, nem pise nas flores do caminho. Uma parte pequenina de mim, parte com você. E espera, com todo fogo redentor daqueles que creem que sonhos nunca são impossíveis, que você se dissolva numa nuvem. E volte, apenas quando for capaz de transformar em chuva mansa, o que um dia foi tormenta.