Em 1966 o neurologista Oliver Sacks foi contratado pelo Hospital Psiquiátrico Mount Carmel, nos EUA. Nesse hospital ele teve contato com um grupo de pacientes que por muitos anos se encontrava em estado catatônico. Ao contrário da enormidade de médicos que fogem de hospitais psiquiátricos, Sacks conseguiu enxergar nesse ambiente um local rico para o aprendizado da natureza mental humana e, dotado de imensa empatia, enxergou esses pacientes de uma forma mais ampla: apesar de inertes, pareciam dotados de uma inteligência velada, como se estivessem aprisionados em um corpo apático.
Antes catalogados como doentes mentais cujas habilidades estavam irremediavelmente comprometidas, o neurologista conseguiu encontrar um ponto comum em muitos deles: tinham sido vítimas de uma epidemia pós-guerra, que matara muitos e paralisara tantos outros.
Citando um pouco o fator histórico para que entendamos melhor essa estranha enfermidade, no final da primeira guerra mundial se alastrou pela Europa e EUA uma epidemia de encefalite letárgica, conhecida como “doença do sono”. Ninguém nunca soube precisar ao certo a origem da doença, provavelmente um vírus, e como se alastrou, contudo, muitos pacientes apresentaram no momento do contágio sintomas diversos acompanhados de muita sonolência, e posteriormente, muitas vezes anos após esses primeiros sintomas e tendo vivido uma vida normal dentro desse período, perderam as funções de forma a ficarem catatônicos, como se estivessem em sono profundo.
Muitos sobreviventes dessa epidemia foram colocados em hospitais psiquiátricos e por lá ficaram por décadas, como seres esquecidos, que precisavam apenas de água e comida.
No ano de 1969, quando a Levadopa, uma droga experimental, passou a ser um pouco mais em conta, Sacks e sua equipe passou a ministrá-la a esse grupo de pacientes. Paralisados desde a década de 20 (ou até mesmo antes) e, em grande parte, tendo sido atingidos pela moléstia ainda na juventude, muitos voltaram à vida de súbito, como se estivessem apenas adormecidos.
Extremamente rígidos e enervados, sentados em cadeiras de roda por décadas, após a medicação, muitos foram encontrados de pé, andando por seus quartos, sem qualquer fadiga muscular. Tinham voltado à vida quase que milagrosamente.
Em um trecho do livro “Tempo de Despertar” escrito por Sacks em 1973 ele relata que quando chegou ao hospital, ao visitar uma ala, uma enfermeira que trabalhava no hospital há trinta anos lhe confidenciou algo sobre uma paciente: “É incrível, essa mulher não envelheceu um único dia nos trinta anos que a conheço. O resto de nós envelhece – mas Rose é a mesma”. Aos 61 anos, parecia trinta anos mais nova. E era assim com grande parte dos pacientes acometidos por esse mal.
O livro “Tempo de Despertar” escrito pelo neurologista é bastante denso e minucioso. Sacks aponta nele, dentre outras coisas, que, estranhamente, muitos parentes de pacientes ficaram desgostosos com a melhora dos enfermos. Isso aconteceu, por exemplo, com a mãe do paciente Leonard L. Ela viu os pensamentos de Leonard migrarem para outras mulheres e isso lhe conferiu um extremo ressentimento.
Leonard foi para Sacks o paciente mais brilhante. Mesmo já acometido pela letargia conseguiu se formar em Harvard, quando tornou-se impossibilitado. Contudo amante da leitura o fazia mesmo em estado de paralisia. Conseguia se comunicar através de um tabuleiro e foi capaz de expressar com maior precisão como era viver naquele estado de torpor.
Quando despertado ficou maravilhado com o mundo, caminhando pelos jardins do hospital, cheirando rosas e acariciando suas pétalas.
Infelizmente a Levadopa com o tempo foi perdendo gradativamente a eficácia e não mais apresentou os efeitos significativos, quase milagrosos, vistos em 1969. Em alguns casos ela teve que deixar de ser ministrada por causa dos efeitos colaterais, em outros continuou a ser tomada, contudo sem o mesmo efeito.
Durante os relatos de Sacks fica muito claro que fatores emocionais, ou seja, relações humanas foram cruciais para determinar o maior ou menor sucesso da medicação nos pacientes. Muitos se agarraram ternamente aos que lhes eram queridos: pais, irmãos e filhos. Outros se entregaram desalentados ao perceberem que não tinha restado ninguém.
As relações humanas foram o bote salva-vidas que determinou a vitória de muitos frente a essa doença tão singular. Talvez seja pela razão de que após décadas de sono seja valiosa a lembrança de um outro sobre o melhor de nós.
O livro de Sacks foi um sucesso e inspirado nele foram escritas inúmeras peças de teatro (e de rádio também) e em 1990 um filme com o mesmo nome do livro “Tempo de Despertar” foi lançado tendo Robert de Niro como Leonard L. e Robin Williams como Dr. Sacks.
O livro e o filme são inspiradores e bastante reflexivos. No filme há muito de uma lição moral sobre aproveitar a vida e enxergar nela a beleza que muitas vezes se perde frente às dificuldades.
Já o livro acaba passando uma mensagem semelhante, ao nos mostrar como somos fortes ao lutar por nós quando temos uma razão para isso. Nele também fica evidente como são determinantes os vínculos verdadeiros que nos envolvem com ternura.
Oliver Sacks faleceu em agosto 2015 aos 82 anos, vitimado por um câncer. Durante o período em que estava já consciente de seu delicado estado de saúde, escreveu um último livro, o “Gratidão”, no qual nos faz refletir, ainda uma vez, sobre a importância da vida.
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