Categories: COLABORADORES

Os amores de uma vida

Por Rafael Souza Carvalho

Quando estamos próximos dos 40 anos de idade é comum que aprofundemos a reflexão sobre muitas áreas de nossa existência. Uma delas é o que chamamos de “amores de nossas vidas”.

Essas etapas cíclicas que também acometem a quem adentra os 50, 60 e assim até que a vida permita, servem para revermos mentalmente a quem depositamos nosso amor. Um dia entregamos uma flor, uma carta, um beijo roubado, alianças trocadas e uma cama a dividir. Não para por aí. Em alguns casos, a flor não mais chegou, a carta esquecida se encontra na gaveta, o beijo é recusado, alianças retiradas e a cama já não comporta os dois. Aquele grande amor fica inscrito no passado em belas histórias de nossas vidas.

É recorrente a afirmação conservadora de que possuímos apenas um único grande amor em nossa história, o que viria desqualificar os sentimentos subsequentes de uma relação afetiva. Todas as demais experiências intensas apresentariam uma deficiência, e assim, nunca estariam à altura do “grande amor”.

E se o “grande amor” for uma farsa? E se pudéssemos ter vários “grandes amores” de nossas vidas? Penso que seria conveniente afirmar que para cada época de nossas vidas temos um grande amor. É comum viúvas e divorciados lamentarem que o amor de suas vidas ficou no passado e dificilmente conseguirão amar novamente. Tomaria a liberdade em dizer que uma vida de grandes amores é uma grande vida. Há uma riqueza em pessoas que após a ruptura conseguem renascer para um sentimento intenso. O amor tem uma plasticidade que se adéqua a várias fases da vida.

No colégio o coração do menino bateu forte quando chamou a menina para dançar; sonhou com ela à noite.  A arritmia não foi diferente quando se casou – disse na frente do padre que era para sempre – mas começaram a brigar e resolveram se separar. Separados, encontraram pessoas fantásticas, fizeram novas juras sob a orquestra de um coração saltitante de menino colegial. O tempo se adiantou, as mãos já enrugadas revezavam-se em se esquentar e segurar o controle remoto. O amor do colégio não é diferente daquele que nos motiva para o casamento ou que conhecemos em uma nova vida de solteiro. O coração é um só, perde o compasso na possibilidade de se ver desejado

Seria bom rever o conceito de um grande amor que está sujeito as nossas fixações e ampliarmos para os múltiplos amores possíveis em nossas vidas, não imunes a decepções, mas encorajados em subir ao palco de nossa existência e aceitar a sua encenação real, admitindo que o coração que me apertou na infância é o mesmo que me atira em outros braços. Assim como não há a chuva da minha vida, também não há o amor da minha vida – alguns irão discordar – mas aquele amor de infância deve ser considerado, em menor proporção ele existiu. A água que me molhou na juventude foi embora, não voltará, mas ainda sou capaz de pegar um temporal; as nuvens estão se formando. O abraço que um dia me arrancou o suspiro, aqui não se encontra, mas ainda respiro um ar diferente e sou capaz de outro fôlego; a ventania sopra na esquina.

Somos intensos demais em desejar para afirmar que somos feitos para um único temporal ou para uma única batida no peito que nos faz perder o rumo. Quem o faz, também possui riquezas, mas não o faz superior. Perder o caminho pode ser um excelente atalho para o encontro futuro. Um porta-retrato substituído não configura uma perda, e sim um acréscimo na história de quem opta em amar.

Rafael Souza Carvalho

Jornalista, apresentador do Sentinelas da Tupi (Rádio Tupi -RJ), Licenciado em História e Psicanalista em formação pala Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa.

Share
Published by
Rafael Souza Carvalho

Recent Posts

Elon Musk faz gesto polêmico em discurso na posse de Trump

Durante seu discurso na posse de Donald Trump, Musk exaltou a vitória do republicano e…

33 minutos ago

Por que o SEO On-Page é essencial para o sucesso do seu site

A otimização interna, ou SEO On-Page, representa o primeiro passo fundamental para garantir que o…

8 horas ago

“Divórcio grisalho”: quando o divorcio acontece depois de muito tempo de casamento

O fenômeno dos chamados “divórcios grisalhos” – quando casais de 50 anos ou mais decidem…

10 horas ago

Carlinhos Maia e Dona Déa trocam farpas nas redes após Domingão; entenda a briga

Dona Déa, 77, e Carlinhos Maia, 33, se desentenderam nas redes sociais neste domingo (19)…

19 horas ago

Luana Piovani é processada por Sari, condenada no caso Miguel, e se revolta: “Ela se sentiu vítima”

Sari Corte Real, que foi condenada pela morte do incapaz Miguel, filho de sua ex-empregada,…

20 horas ago

Amanda Kimberlly registra boletim de ocorrência por ataques à filha com Neymar

A influenciadora deixou claro que não tolerará mensagens de ódio contra sua filha e pretende…

3 dias ago