Há quem ainda tenha fé no bom senso de todos os seres humanos. Essas pessoas tocam suas vidas acreditando que os outros à sua volta conseguem, de forma natural, entender até onde vai a sua liberdade de interferir, ou de depender, ou de controlar.
Este pode ser um risco mal calculado. A grande maioria de nós, não nasce com bons instrumentos de geografia emocional. Infelizmente, a chance de esbarrarmos com verdadeiros sugadores de alma, energia e vida, cresce numa escala geométrica a cada dia.
O culto à uma postura pautada na satisfação imediata dos desejos e necessidades pessoais, produz indivíduos extremamente autocentrados, cuja percepção dos limites alheios vive no mundo do desconhecido.
Houve um tempo em que ousou-se acreditar que o comportamento individualista ficava restrito, ou prioritariamente concentrado a centros urbanos capitalistas, ou ambientes corporativos voltados à produção de riquezas, ou, até mesmo a grupos familiares cuja dinâmica de funcionamento fosse regida pela competição entre seus membros, seja por bens materiais, atenção ou afeto.
Essa crença cai por terra diante de uma realidade concreta e mundial, segundo a qual as condições de sobrevivência, material ou filosófica, aparecem cada vez mais ligadas às habilidades de cada um em juntar bens de consumo, conquistar a admiração alheia e ostentar um sucesso que pode ser duradouro ou meteórico, tanto faz.
Assim, focados num objetivo estabelecido pelo outro, já que dependemos da sua audiência para sermos felizes, acabamos perdendo a noção dos limites. Vamos tocando a vida meio que de forma tão automática quanto irrefletida, e nos afastamos dos valores que deveríamos ter cultivado com o mesmo empenho que utilizamos para sermos bem-sucedidos socialmente.
Limites são linhas invisíveis; porém, absolutamente necessárias para garantir nossa opção pela vida e não, pela sobrevivência.
Precisamos conhecer nossos limites físicos, caso contrário viveremos em rota de colisão certa, porém não agendada, com um completo colapso das nossas capacidades de agir, sentir e pensar.
Precisamos conhecer nossos limites morais e éticos, porque sem eles tornamo-nos presas fáceis de nossa vaidade e loucura pelo poder. Loucura esta que, mais dia ou menos dia, fará de nós réplicas daquelas pessoas cujos comportamentos imorais e criminosos já criticamos um dia.
Precisamos conhecer nossos limites emocionais para que consigamos ser algo mais parecido com gente, e menos parecido com máquinas. É a linha afetiva que confere a cada um de nós a figura humana que apresentamos ao outro, quando o outro não tem nada para nos oferecer; quer seja o poder tão cobiçado; quer seja o sofrimento para nos garantir que existe alguém em situação pior do que a nossa.
Precisamos estabelecer limites à nossa autoindulgência, uma vez que essa excessiva permissividade certamente fará de nós pessoas molengas demais diante das dificuldades e demasiado empedernidas diante das falhas e dificuldades alheias.
Mas, não nos basta conhecer os próprios limites. Esse conhecimento, ainda que faça de nós seres humanos mais dignos e merecedores de confiança, não é capaz de nos garantir a paz. A paz, vem da nossa capacidade de estabelecer para o outro até que ponto ele tem permissão de tocar, conhecer e penetrar o nosso íntimo. Quando não somos capazes de fornecer ao outro o conhecimento da linha que determina quem é ele e quem somos nós; ficamos perdidos. E perdidos de nós mesmos, nunca poderemos nos encontrar, muito menos estaremos aptos para conviver. Sem termos conhecimento de nossas intersecções com o outro, nunca seremos capazes de ver a diferença entre limite, abismo e linha de chegada. Assim, podemos ser surpreendidos por uma queda fatal, quando pensávamos estar chegando no topo.
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