“Olá, sou eu. Eu estava imaginando se após todos esses anos/ Você gostaria que nos encontrássemos/ Para superarmos tudo/ Dizem que o tempo supostamente lhe cura/ Mas eu ainda não fui completamente curada/ (…) (Tradução de um trecho da música Hello – Adele)
O clipe “Hello”, da cantora britânica Adele, ultrapassou a marca de 1 bilhão de visualizações no Youtube. Não é espantoso o sucesso da artista, afinal, sobra talento em suas composições e apresentações. Entretanto, o que inquieta foi a rapidez com que este número foi alcançado: 88 dias. De um lado da linha a cantora diz “olá” e na outra ponta, milhões respondem da mesma forma. Qual o motivo de termos dito “Hello”?
A resposta começa na própria vida da cantora, criada pela mãe e sem um relacionamento afetivo com o pai. As rupturas amorosas têm uma implicância evidente em suas composições, marcadamente em “Hello”. O sucesso desta música é a conjugação da projeção artística de uma talentosa cantora, com o luto e decepções dos ouvintes que romperam uma relação.
A canção se funda na separação de um casal, e o luto que surge com esta perda do objeto amado é entoado de forma melancólica. Em “Luto e Melancolia”, Sigmund Freud irá se debruçar sobre as perdas que vivemos, o tempo do luto e suas conseqüências. O vazio temporário que surge é um terreno de poetas, compositores e ciladas.
Esta última nos coloca de frente com algo que se refere á idealização de um sonho; aquilo que esperávamos, fruto de nossa profunda imaginação e não aconteceu. (“Hello/ Você pode me ouvir?/ Estou na Califórnia sonhando com quem costumávamos ser/Quando éramos mais jovens/ E livres/ Eu esqueci como era antes do mundo cair aos nossos pés.)
Precisamos assumir a responsabilidade do que imaginamos e criamos e perceber que muito mais do que o outro, somos co-autores de muitas de nossas decepções. Entretanto, mais do que as elaborações de quase um sonho a ser vivido e não realizado, a música em questão aponta uma revisitação da cantora aos locais deixados. Uma suave tentativa de reencontro e superação, que pode ser identificada logo no início. Sente-se culpada, pede desculpas por partir o coração do amado.
Uma das ciladas do espaço vazio do luto da ruptura é a criação da culpa “superegóica’, uma autopunição, e é exatamente aí que milhões de pessoas estão dizendo “Hello” junto com Adele. A cantora coloca de forma especular a culpa elaborada, inconsistente de quem ouve a melodia.
Habitualmente temos a tendência de nos responsabilizarmos pelo fracasso de um relacionamento, pegamos um chicote, nos martirizamos de forma impiedosa. Lutamos por uma chance, surge o desejo de pegar o telefone e dizer “Hello”, me desculpe, será que podemos nos encontrar? A tentativa de retorno estruturada no medo do vazio da ruptura, não é eficaz, apenas iguala-se aos mecanismos da fuga.
A música não ignora o momento de luto, e a produção em preto e branco do clipe reforça esta condição: “Dizem que o tempo supostamente lhe cura/ Mas eu ainda não fui completamente curada”. Eventualmente este tempo surge e percebemos que o nível de culpabilidade do fim da relação diminui, admitimos apenas o que é real, nos reposicionamos e retomamos o espaço vazio, ainda com a marca da aliança.
O luto da separação tem sua importância quando nos permite uma revisão sincera que possa nos levar a uma compreensão mais profunda do que somos. É o momento em que a lágrima pode escorrer sem vergonha, mas ela cessa abrindo as portas para um sorriso sereno que brota da compreensão dos fatos; sem culpas ou responsáveis. Com este mesmo sorriso não precisaremos mais dizer “Hello” para o objeto que um dia foi amado, e assim, o sol surge pondo fim às cores enlutadas de uma relação que se foi.
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