Por Claudia Antunes
Na sexta-feira, com o sol a pino e contestando os termômetros de rua, saí para comprar pilhas para a lanterna que minha neta usaria em atividade do colégio. Desde criança sou sensível ao calor. Todos dirão: ‘Qual é a criança que suporta bem o verão?’
Mal adentrava dezembro nos idos anos 50, minha mãe e minha madrinha já sabiam que meu destino estava selado. Ainda tínhamos a calota polar arrumadinha, o efeito estufa era expressão para flatulência e todos falavam ‘o lotação’, no masculino, para aquele ônibus caolho que chacoalhava nas ruas do Rio. Uma década de memórias ligada aos tios e primos, ao aconchego da avó, ao Coelhinho da Páscoa e Papai Noel.
Paquetá era uma ilha de águas claras, onde os Tios Lauro e Heloísa tinham uma casa muito engraçadinha, com janelas em forma de escotilhas, cravada ao fundo de um belo jardim. Viajava para lá com meus primos gêmeos (e gênios!), com quem convivi, felizmente, durante a infância, adolescência e na fase adulta. Com a morte de minha Tia, não os vi mais.
Nosso apartamento, em Ipanema, ficava ao lado da Chaika, que nas décadas posteriores foi o point de tortas arrematadas por torres de chantilly. Em seus primórdios era um bar tipo ‘noir’, sempre com muita fumaça de cigarro e decoração típica de similares americanos, com estrelas pretas sobrepostas na parede azul.
Se as crianças de hoje conhecem animais por visitas ao Zoológico, tive o privilégio de conviver, diariamente, com um macaquinho que pertencia ao morador de fundos do meu prédio. Ali também moravam dois irmãos – William e Beto – filhos de Dona Sensitiva, uma chapeleira de mão cheia, que abastecia os salões do Jockey.
A TV dava seus primeiros passos no país e os programas não tinham censura. Lembro-me de assistir à ‘Boate do Ali Babá’, com o comediante Zé Trindade. E me desmanchar de amor por Jeff, o menino louro em P&B que era o dono da collie ‘Lassie’.
Mas o verão sempre foi um problema em minha vida. Sujeita a insolações – rosto vermelho e corpo febril – minha mãe me mandava para as casas de parentes, que ficavam em lugares altos como Vassouras, Humberto Antunes e Rio das Flores.
Ontem, enquanto passava de manhã pelo trecho de obras do metrô que fica diante da portaria central do condomínio, perguntei a um operário:
-Como está o rapaz que passou mal? Soube que a ambulância demorou e ele ficou estirado no sol quente…
– Já está bem, moça. Pega no turno das 4.
Claudia Antunes é carioca, jornalista e já trabalhou em jornais como Jornal da Tarde (SP), O Estado de S. Paulo, Jornal do Commercio e Tribuna da Imprensa e nas Revistas Manchete, Fatos & Fotos e Visão (atual Isto É). Jardim Botânico do Rio de Janeiro e INEA.
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