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Paciência com os apaixonados, eles não sabem o que fazem

Paixão deveria ser classificada como doença de tão forte que é. Doença com dois subtipos: correspondida e não correspondida. Causa: desconhecida. Pode acometer pessoas solteiras e comprometidas, não importa idade, sexo ou classe social. Vem sem avisar e nunca se sabe seu gatilho.

Os doentes de paixão, ou apaixonados, tem como primeiro sintoma a perda de si mesmos nos mais profundos devaneios. Esquecem-se da vida e não conseguem distinguir o real do irreal. Não controlam os próprios impulsos. Sofrem de insônia, alteração de apetite, taquicardia e tremedeira. Sentem borboletas no estômago, nó na garganta e, nos casos mais graves, até na cabeça. A ansiedade chega a assustar.

E não venha me dizer que isso é coisa de gente sentimental. Queria eu que fosse, mas essa doença atinge até os mais lógicos e esses, coitados, sofrem ainda mais ao perceberem que perderam o controle do próprio cérebro. Algo mais forte tomou as rédeas. Não importa o grau de maestria anterior que o sujeito tinha no equilíbrio emoção versus razão, apaixonados de verdade, todos perdem a noção.

E essa tal paixão tem sempre um alvo. Uma pessoa qualquer. Às vezes, uma pessoa tão qualquer que não entendemos o motivo de tanto deslumbre. E nem precisa ser aquela pessoa ideal. Não! Isso porque a paixão tem um sério sintoma: a negação. Negação dos defeitos do outro, negação da realidade, negação da situação. Você chega a negar que está apaixonado. E você se nega a assumir que só ouve a mesma música mil vezes para despertar na sua mente a lembrança do gatilho. E quando a música não faz mais efeito, é necessário achar outra. É necessário manter o outro na lembrança e reviver coisas que aconteceram (ou que você mesmo criou), só pra sentir todos os sintomas novamente.

Sim, a paixão talvez seja uma das poucas doenças que te viciam. Ao mesmo tempo em que você quer estar curado, você quer sentir tudo aquilo de novo. Afinal, mesmo sofrendo (no caso da não correspondida), a vida parece ter mais graça, mais cor, mais intensidade. Normalmente, a vida é tão parada. A paixão sacode tudo e ela te convence que é mais legal viver assim. O problema é que a paixão não tem sentido. Só pode ser algo químico. Uma química daquelas bem carnais.

Tenho a impressão de que os maiores artistas eram aqueles que mais se apaixonavam. A paixão desperta a criatividade, deixa tudo a flor da pele, pois existe certa urgência em espalhar amor e ardor por ai. Nesse sentido, a não correspondida chega até a ser útil: já que a atenção não pode ir para o bendito gatilho, que vá para o universo. Mas é preciso ir para algum lugar. Paixão não consegue ficar guardada, ela explode. Paixão precisa virar música, poesia, texto, pintura, suor, abraço, riso e choro (muito choro). Paixão transborda, faz passar vergonha, faz querer viver e morrer ao mesmo tempo. Viver de paixão e morrer apaixonado, dois extremos, uma montanha-russa de emoção.

Depois de tanta paixão, fica aquela pergunta: “Mas e a cura?”. Olha… Se eu soubesse! Infelizmente (ou não), não há. Há quem diga que uma boa dose de amor-próprio ajude a amenizar a tendência a atitudes vergonhosas. Que um bom par de ouvidos amigo alivie toda urgência em se expor (recomendam-se até mesmo vários deles, pois não há quem aguente tanto nonsense).

É preciso deixar fluir de alguma forma, de preferência com algo construtivo. É preciso aceitar a dor e reconhecer-se como alguém realmente em tratamento. Não há fuga. É dentro. É fundo. É preciso ser sincero consigo mesmo. É necessário ter compaixão própria, abraçar-se e dizer “Sei que você andou descontrolado, mas tudo bem! Quem nunca?”. No fim, só mesmo o tempo. O tempo tudo cura. Parece clichê, mas só um clichê para combater outro que existe desde que o mundo é mundo.

Júlia H. G.

"Amante das exatas com coração de humanas. Descobrindo nas palavras uma válvula de escape para tanta reflexão guardada."

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Júlia H. G.

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