Por Luis Gonzaga Fragoso
Uma sutileza perceptível em algumas joias do cancioneiro nacional está na ligação estreita entre letra, melodia e arranjos.
É o que acontece com “Paciência”, de Lenine. Se você tiver o cedê Na Pressão, ficará mais fácil me acompanhar. No final deste texto, transcrevo a letra.
No cedê, a canção foi gravada duas vezes. Uma audição desatenta das duas versões poderá levar o ouvinte à conclusão: “Ué, mas são iguais!”.
Não: a segunda delas tem uma levada mais pop, acentuada pela presença da guitarra. E é mais curta: 56 segundos a menos – uma eternidade, para os padrões da mídia.
No meio da canção, o solo de piano dura 35 segundos na primeira versão; 17, na segunda.
“Paciência” tocou (e toca) no país inteiro: fez parte da trilha sonora de “Vila Madalena”, novela da Globo. No encarte do cedê, vemos que a faixa 3 é a versão “normal”; a faixa 12 foi literalmente batizada de “Versão Vila Madalena”.
Uma hipótese plausível: teria havido um acordo prévio entre o compositor e a gravadora, segundo o qual a canção só poderia entrar na novela caso se adequasse a alguns padrões. Teria de ser regravada, numa versão mais curta e uma “levada mais pop”, menos “cult”.
Até aqui, tudo coerente, nada de extraordinário. Fazer concessões faz parte do meio artístico.
O encanto da brincadeira é que os versos da canção são a ilustração de todo o conjunto – “Será que temos esse tempo pra perder?”, diz a letra. Não, não temos – resposta que é confirmada pelo próprio formato das gravações. Afinal, o ouvinte/internauta jamais ou raramente tem acesso à primeira versão.
No YouTube, tento achar um link com a primeira versão, e nada. Encontro apenas a que toca nas rádios, a chamada “faixa de trabalho”, trilha da novela.
Em compensação, encontro o videoclip abaixo, cujas imagens estão em finíssima sintonia com os versos de “Paciência”: “Enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu faço hora, me demoro, vou na valsa. A vida é tão rara…”. Compare-a com a versão da novela (isto é, se você “tiver este tempo pra perder…”).
Divirta-se!
Paciência
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso, faço hora, vou na valsa
A vida é tão rara
Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
E o mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência
Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para (a vida não para não)
Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para (a vida não para, não… a vida não para)
LUIS GONZAGA FRAGOSO
Tradutor e Revisor
luisgfragoso@terra.com.br
Nota da CONTI outra: A publicação do texto acima foi autorizada pelo autor.
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