O projeto de lei aprovado em primeira votação na Câmara Municipal de São Paulo, que impõe uma série de exigências para a doação de alimentos à população em situação de rua, gerou forte reação de entidades e lideranças que atuam na assistência social. Entre as vozes contrárias está a do padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, que classificou a medida como “mais um projeto aporofóbico, de punição aos pobres e daqueles que estão a seu serviço”.
O projeto, proposto pelo vereador de São Paulo, Rubinho Nunes (União), prevê multas de até R$ 17 mil para quem descumprir os protocolos exigidos na distribuição de alimentos. Segundo o vereador, o objetivo é garantir a segurança alimentar das pessoas vulneráveis, por meio de práticas que prezam pela higiene e acolhimento durante a entrega das refeições. Entretanto, o padre Lancellotti vê a medida como uma tentativa de punir a população carente. “Segurança alimentar em momento de fome, de crise, e de tanta gente sem condições, se chama prato de comida”, afirmou.
Lancellotti, que há anos é uma das principais referências no trabalho junto à população em situação de rua, criticou duramente o que considera ser um retrocesso nas políticas de apoio aos mais vulneráveis. “É mais uma tentativa de criminalizar a pobreza”, declarou o religioso, que também é alvo de investigações após a abertura de uma CPI na Câmara Municipal, proposta pelo próprio Rubinho Nunes. A CPI mira ONGs que atuam na Cracolândia, entre elas a Pastoral do Povo de Rua e o movimento ‘A Craco Resiste’.
Ainda em nota, Rubinho Nunes afirmou que o projeto visa “garantir protocolos de segurança alimentar na distribuição, prestigiando a higiene e acolhimento das pessoas vulneráveis durante a alimentação”. No entanto, para Lancellotti, a prioridade deve ser garantir o acesso imediato à alimentação para quem mais precisa.
O projeto de lei estabelece ainda que as pessoas físicas responsáveis pela doação deverão disponibilizar tendas, mesas, cadeiras, talheres e guardanapos, além de garantir a limpeza da área após a distribuição. Padre Julio criticou duramente essa exigência, apontando que a responsabilidade pela limpeza pública é do município, e comparou a situação à das feiras livres: “Os feirantes não limpam a rua. Por que eles não limpam? Porque é o serviço público que limpa”, afirmou.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo também se posicionou contra o projeto, considerando-o inconstitucional. Em nota, a entidade declarou que “a Câmara não pode, em hipótese alguma, proibir que pessoas doem a outras pessoas, seja alimentos, bens ou afetos”, e classificou a proposta como “abuso de poder”.
O projeto gerou grande debate na capital, em meio a uma crise social e econômica que afeta principalmente a população mais vulnerável.