Poucas coisas são maiores do que o amor e os cuidados que os pais dedicam a seus filhos. Desde o seu nascimento, pelo fato dos bebês serem seres frágeis e dependentes, os adultos próximos imediatamente são inundados pelos desejos mais genuínos de suprir suas carências e necessidades.
Mas o que pode justificar um caso como o acontecido nessa quarta-feira (07-12), quando uma criança de apenas um ano faleceu dentro do carro após ter sido esquecida pelo pai? O caso aconteceu em São José do Rio Pdreto, no interior de São Paulo e imediatamente gerou comoção pública.
O que aconteceu:
Segundo informações do boletim de ocorrência publicadas no G1, o pai encontrou o menino já sem vida no assoalho do carro.
Após o ocorrido, ele relatou que seu filho dormiu e, por isso, ele se esqueceu de levá-lo para a escola e seguiu para o trabalho.
O veículo ficou estacionado em frente ao local e, ao sair, ele encontrou o bebê morto.
Após o atendimento e constatação do falecimento, o corpo da criança foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) e o caso foi registrado como homicídio culposo na Central de Flagrantes.
Histórias como essa, pesar de trágicas e de certamente habitar os pesadelos de inúmeras famílias, são noticiadas todos os anos.
Mas como a ciência explica um lapso que pode custar a vida do próprio filho?
É consenso entre especialistas que, na maioria dos casos, pais não esquecem os filhos no carro por negligência.
David Diamond, psicólogo e neurocientista da Universidade do Sul da Flórida, nos Estados Unidos, dedica parte de sua carreira ao estudo desses episódios.
“Todos os pais relatam ter sofrido de um lapso de memória. E quase todos eles esqueceram seus filhos no carro após mudarem sua rotina, seja porque decidiram fazer um trajeto diferente ou porque tiveram que levar os bebês para a creche mais cedo”, diz Diamond em entrevista à BBC News Brasil.
Segundo ele, é comum isso ocorrer quando alguém faz algo que não é habitual.
“Não são só pais que passam por essa situação: há registros de pilotos de avião que, por estarem tão acostumados a conduzir o mesmo modelo de aeronave, se envolvem em acidentes quando são designados a pilotar outro tipo”, diz.
“Por isso usamos agendas, alarmes e post-its para lembrar de tarefas novas. Nosso cérebro precisa de ajuda para não esquecer.”
Diversas partes do cérebro são usadas no processo de armazenar e ativar memórias. Nos casos citados, porém, duas áreas distintas e concorrentes são acionadas e uma mudança de rotina ou de foco pode atrapalhar o armazenamento ou mesmo o resgate da informação.
A pesquisa de Diamond destaca os gânglios basais como o primeiro mecanismo dessa engrenagem da mente.
Esse tipo de situação pode acontecer com qualquer pessoa, mas pais que estão sob estresse ou em situação de privação de sono – o que é muito comum nos primeiros meses de um bebê – estão ainda mais sujeitos a isso.
Em situações de cansaço e nervoso, o hipocampo é prejudicado, mas os gânglios basais continuam a funcionar normalmente, explica Diamond em sua pesquisa.
Como evitar?
Uma recomendação para que casos assim não aconteçam é que os pais estejam cientes de que isso pode ocorrer com qualquer um.
“É importante que eles saibam que casos assim são comuns, para que nunca deixem de checar pelo menos duas vezes se a criança ainda está no carro antes de fechar as portas”, diz Erika Tonelli, coordenadora do Instituto Bem Cuidar e da organização Aldeias Infantis SOS.
Algumas técnicas para o dia a dia:
A mais simples é manter um objeto que ajude a lembrar da criança por perto, no banco do carona ou preso na chave ou celular – pode ser uma chupeta, um brinquedo ou até uma fralda de pano.
Também é útil criar o hábito de colocar a bolsa ou os pertences pessoais no banco de trás do carro, ao lado da cadeirinha onde o bebê costuma ser transportado.
Também existe a possibilidade da instalação de um espelho no carro, para que o bebê possa ser observado mesmo quando a cadeirinha estiver na posição de costas, como determina o Código de Trânsito para crianças de até 1 ano de idade.
Por fim, foram desenvolvidas nos últimos anos diversas tecnologias que podem facilitar muito a vida de pais e mães.
O aplicativo de navegação Waze possui a função ‘Lembrete de Criança’, que pode ser ativada nas configurações. Há ainda outros programas próprios para isso, como como o Kars 4 Kids e o BabyOnBoard.
Eles são conectados ao GPS do celular e emitem alertas sonoros assim que o motorista estaciona.O aplicativo Backseat ainda pode ser programado para enviar SMS automáticos a contatos pré-estabelecidos sempre que o carro é desligado. As mensagens relembram que a criança pode estar no banco de trás.
E alguns modelos de cadeirinha mais modernos têm sensores que avisam ao motorista por meio do celular ou avisos sonoros que a criança ainda está no assento.
Nesse momento de tristeza, entretanto, é importante que sejamos empáticos com a dor dessa família que já sofreu a maior punição que poderia existir: a perda do filho.
Que o caso sirva de exemplo e prevenção para que não coloquemos a vida de quem ainda não sabe se defender em risco. A dor também ensina.
***