Imagem de capa: Aleksandr Markin/shutterstock
Durante anos o meu café da manhã, e o meu café da tarde, foi uma fatia de pão integral torrado com requeijão, e café.
Depois de comer o pão torrado com requeijão, eu comia uma fatia de queijo branco derretido. Como prêmio de consolação.
Até que a Sandra me levou, em Americana, a um misto de restaurante, padaria e doçaria.
Olhei para o cardápio cheio de delícias fotografadas e pedi aquele cuja foto me pareceu simpática. Junto da imagem estava escrito: “o mais pedido no horário das 15.”
É a hora do meu café. Pensei: que saudades do meu café. Nem peço café quando vou por ai, porque ninguém sabe fazer o meu café.
Quando o pedido chegou descobri que nada mais era do que uma baguete de pão integral com requeijão e queijo branco derretido. Deliciosa!
Fez-se a luz: e se eu chegasse em casa e fizesse a minha torrada de pão integral (pão de forma mesmo) com requeijão, e adicionasse o queijo branco, exatamente como havia comido, o resultado seria igual?
Foi o que fiz, e desde então, nunca mais separei a dobradinha. Ganhei em sabor e para ficar mais próximo possível do original, fiz o que eles fizeram: serviram as duas metades separadas.
Usei duas fatias de pão integral, lambuzadas de requeijão com a sua respectiva fatia de queijo quente. Separadas. O queijo por cima.
E animada com o resultado, inventei de colocar dois tomatinhos cerejas previamente esquentados no forno.
No capricho!
Isso me fez pensar: quantas coisas fazemos no automático e nos descuidamos dos detalhes.
Mas o requinte está nos detalhes! E nesse sentido, o sabor melhora com o requinte! Ignorar detalhes é perder sabor. Todo chefe de cozinha sabe disso e -por saber- nos parece tão afrescalhado, com suas exigências que nos soam descabidas.
Resumidos que somos. Mas não é só isso. A questão é mais profunda.
Envolve fundamentos da neurolinguística.
Envolve cultura.
Envolve tradição.
E envolve algum resquício de culpa, de dever, de negação de prazer.
No meu caso, ao comer o pão separado do queijo, inconscientemente, eu estava fazendo uma coisa que sempre faço, desde a infância: escolhendo o que é ruim primeiro, e deixando o gostoso para o fim.
Ao fazer isso, eu engolia o pão seco, levemente lambuzado de requeijão, e pensava: daqui a pouco eu ganho uma fatia de queijo branco derretido.
Daqui a pouco. Agora não posso. Agora ainda não mereço. Primeiro o dever, depois o prazer.
Foi assim que me ensinaram e que fui condicionada a pensar: Deus fez o mundo em 6 dias, e no sétimo, descansou. Só não me falaram que Deus vive tudo ao mesmo tempo, e que o tempo de Deus não tem passado e nem futuro, é um eterno HOJE E AGORA.
Compartimentando a comida em categorias estanques, estendi a mesma ideia para outras coisas da minha vida: a melhor roupa fica para os dias especiais, há roupas para ficar em casa, e há roupas para sair.
De manhã, devo fazer tudo o que não gosto, à tarde fico livre para fazer tudo o que gosto. E como sou essencialmente matutina, o que não faço de manhã, acabo não fazendo a tarde, e deixo para lá o que gostaria de ter feito.
Esses esquemas de sabotagem que montamos para o nosso funcionamento nos fazem totalmente previsíveis e robóticos.
Mas é assim que funcionamos a contento. E a contento significa: fazendo tudo do mesmo jeito que sempre fizemos.
Não passa pela nossa cabeça juntar o pão torrado com o queijo e comer tudo junto.
E só mesmo quando alguém ousa quebrar os nossos paradigmas, a gente engole. Engole e gosta.
E pensa: como não pensei nisso antes?