O choro é como a chuva: necessário, purificador, catártico. Chorar é manifestação legítima de sentimentos dolorosos ou não. Há quem chore de alegria, de raiva, de cansaço, de solidão, inclusive de tristeza. Talvez seja a nossa alma que, diante da inexistência de palavras para expressar o que sente, torna-se líquida. Escoa. Verte. Vaza pelos olhos o que a boca não foi capaz de traduzir.
Analisando o aspecto fisiológico, descobrimos que as lágrimas comovidas são praticamente as mesmas que derramamos quando estamos cortando uma cebola e ficamos com os olhos irritados. Elas não passam de gotinhas produzidas pela glândula lacrimal e formadas por três camadas: uma película de gordura, mais externa, envolvendo o recheio de água, que fica sobre um filete de muco. São assim também as lágrimas lubrificantes ou basais, que servem para umedecer, nutrir e limpar a córnea. Mas há alguma diferença entre as lágrimas com função lubrificante, as que surgem como reflexo a um cisco, e as lágrimas emocionais, como as derramadas por nós em situações de emoção extrema?
Sim! Estudiosos de Antropologia acreditam que os nossos ancestrais aprenderam a chorar como recurso de comunicação. A partir do esgotamento das diferentes expressões faciais, precisaram encontrar um meio de atingir os semelhantes com as suas mensagens, seus pedidos de socorro. Portanto, quando os olhares e as caretas falharam, foi preciso aprender a chorar. A diferença entre as lágrimas basais, as reflexas e as emocionais é que essas últimas não trazem nenhum benefício à córnea ou à superfície ocular. Chorar é apenas um recurso mímico para expressar o que sentimos, em especial, a nossa dor.
O choro como forma de pedir ajuda, pode ter surgido como complemento ao desenvolvimento da linguagem. No entanto, o choro de doação ou de ajuda, que requer estados psíquicos mais evoluídos e, sobretudo, empatia – a faculdade mental e emocional de se colocar no lugar do outro, surgiu milhares de anos depois. É impressionante como a nossa história evolutiva confirma a nossa pouca capacidade de olhar pra fora de nós. Todos os nossos movimentos de evolução ocorrem em função de necessidades individuais. Somos egoístas por natureza!
Estudos realizados na Universidade de Alcalá, em Madri, voltados para a ocorrência do choro entre jovens universitários do Curso de Medicina, revelaram que garotas e garotos, entre 20 e 25 anos choram pelos mais variados motivos que vão desde uma briga com o parceiro, até a exaustão diante de uma rotina intensa de estudos. Os garotos confessaram fazê-lo quase sempre em particular, enquanto as garotas garantiram ser mais reconfortante chorar em companhia de alguém com quem se tenha proximidade afetiva. O mesmo estudo revelou que chora-se mais às sextas-feiras e aos sábados, porque são os dias em que as relações interpessoais se intensificam. Chorar também é mais comum à noite, quando as pessoas saem do trabalho, encontram a família, veem os parceiros e mergulham em sua vida pessoal.
As lágrimas são um poderoso instrumento de comunicação com os outros. Até mesmo aquele choro reservado para acontecer debaixo do chuveiro, quando na solidão damos vazão ao nosso sofrimento, serve para comunicar a si mesmo a existência de um limite. Até mesmo o choro silencioso, de lágrimas educadinhas que correm pela face sem que ninguém as perceba, é uma forma de traduzir em reação corporal uma situação que já não se pode conter. Até mesmo o choro engolido e adiado, é uma confirmação da nossa capacidade de contenção, enfrentamento e resiliência.
Choram os bebês para manifestar sua necessidade de alimento, água, higiene ou companhia. Choram os idosos, presos em suas camas, vítimas das limitações que a idade avançada pode trazer. Choram as crianças, porque levaram um tombo, porque brigaram com os colegas, porque não receberam atenção suficiente pelos adultos, ou simplesmente porque querem chamar a atenção. Choram os jovens, pela ansiedade de alcançar tudo em tempo recorde, com o mínimo esforço possível. Choram os casais recém-ligados diante do altar, choram os que se veem diante do amor desfeito. O choro é lícito, adequado e democrático; é necessário chorar quando não há mais nada a se fazer, a não ser deixar que as lágrimas ganhem a liberdade do peito e escorram por aí.
O choro é, inclusive, terapêutico. Muitos distúrbios psicossomáticos e episódios de depressão originam-se de choros e emoções reprimidas. Expressar emoções não é apenas uma forma de demonstrar o que se necessita, mas também um jeito de preencher a necessidade de alívio. E libertar as lágrimas é uma manifestação orgânica; uma descarga emocional que ocorre não no ápice da emoção, mas como forma de restabelecer algum equilíbrio ao corpo e à mente.
E já que, curiosamente somos os únicos animais que choram emocionalmente, poderíamos experimentar olhar para o choro alheio com alguma compaixão. Poderíamos tentar sair do nosso canto, do nosso esconderijo afetivo e entender que não nos cabe julgar se o choro do outro é cabido ou descabido. Poderíamos avaliar menos e evoluir mais. Aproveitar para reconhecer no choro do nosso irmão uma dor que pode ser aliviada se for dividida. Aprender a chorar junto é tão importante quanto secar as lágrimas. Secar as lágrimas vem depois do choro, e junto com a inclusão do outro na nossa vida, fazendo da sua dificuldade uma questão de extrema importância para todos nós.
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