Pare de se cobrar excessivamente, viver não consta no curriculum

Eu tenho um recado pra você, que tem se cobrado constantemente e deixado de viver para si, a fim de viver para os estudos. Pra você, que está deixando morrer sua vida social e que já nem sabe o que é sair e dar umas boas risadas com seus amigos. Pra você, que está rodeada de livros e obrigações, em vez de estar rodeada de pessoas.

Esse recado é pra você, que caiu nas redes do ”Você precisa ser o melhor, ou dar o seu melhor”, fazendo-a ultrapassar todos os limites do seu corpo. Aquela concepção errada em que nos enquadram, de que precisamos abdicar de tudo para chegarmos aonde queremos, quando, na maioria das vezes, com 18, 20, 22 anos, ainda não sabemos se queremos mestrado ou se queremos, sei lá, viajar depois da faculdade. Muitas vezes, aos 18 anos nem sabemos que curso queremos e isso já é motivo para entrar em desespero, pois os pais cobram que façamos alguma graduação e sentimo-nos angustiados ao ver nossos amigos que, desde a infância, já sabiam que queriam medicina, enquanto gostávamos de brincar de bola na rua.

A sua apreciação pela arte, pela música, de nada valem e você precisa gostar de matemática ou ser muito boa em biologia. Desde cedo, essa cobrança com o que devemos ser dentro de um prazo é o que leva muita gente a adentrar na faculdade e não saber lidar com as frustações do meio acadêmico.

Esse recado é pra você que, como eu, acordou e não conseguiu fazer aquele trabalho da faculdade, que trocou um feriado de estudos por um feriado com seriados, e que depois ficou se culpando como quem deveria ter feito algo e não fez. O mundo acadêmico exige responsabilidades e não estudar no feriado não faz de você um preguiçoso, não ter vontade de estudar no domingo não faz de você um irresponsável. Você não é uma máquina, é um ser humano e, embora isso nem sempre nos pareça óbvio e real, temos nossas limitações e o cansaço sempre aparece, sempre vem.

As cobranças sociais não nos preparam para isso, elas apenas nos jogam lá como quem precisa produzir. Você precisa tirar notas excelentes, precisa fazer seu TCC, precisa estudar para o mestrado ou já ir se preparando para um concurso, você precisa ter tantos artigos publicados e seu Curriculum Lattes precisa estar bom o suficiente para alguém olhar e dizer: “Uau”; e tudo isso em um prazo mínimo, em um tempo curto que não nos permite o melhor da vida: viver.

Se você quer seguir carreira acadêmica e pensa tanto na pós-graduação, ótimo, sei que não medirá esforços para atingir seu objetivo, mas não se cobre tanto. É importante ousar, ter sonhos, querer sempre avançar e o ambiente acadêmico nos permite progredir e alçar voo. É um mundo de possibilidades e temos a escolha de não nos tornar prisioneiros. Temos a liberdade de saber dosar as obrigações e de assumir nossos fracassos, não como quem desiste, mas como quem não estava bem no dia em que fez a prova, ou não conseguiu assimilar o conteúdo. Como quem estava com problemas e teve sua atenção dispersa durante a prova. Como quem não entendeu as explicações do professor e tudo bem em tirar um 6.0.

Então, pare de se culpar por não ter tirado um 10 naquela prova para que você tanto estudou, não se culpe por não ter conseguido fazer todos os trabalhos que você tinha programado durante a semana e de pensar sobre por que, um dia ou outro, deixou de estudar para ir tomar um café com um amigo e falar das besteiras da vida.

Pare de olhar em volta e achar que todo mundo está conseguindo render ao máximo, que todos estudam loucamente e que você é quem está ficando para trás, só porque, entre tantos domingos, você não conseguiu estudar em algum deles. Só porque você dormiu enquanto estudava para uma prova, mesmo tendo tomado tanto café para se manter acordado.

O que quero dizer é que viver não faz parte do Lattes. Boas risadas, momentos agradáveis, ver aquele filme que estreou no cinema e deixar de lado as preocupações não nos torna irresponsáveis, mas sim humanos.

Não tem problema acordar no domingo e querer comer pastel na feira logo cedo, em vez de querer terminar sua pesquisa. Não tem problema se você não conseguiu produzir como gostaria no feriado e acabou apenas fazendo um trabalho entre tantos, porque acabou caindo no sono. Não tem problema se não conseguiu escrever nada do seu TCC hoje. É que somos humanos e não temos disposição todo dia, não temos energia o tempo todo e, embora a sociedade e a vida acadêmica exijam constantemente que devemos ler tantos mil textos por semana, que devemos produzir, produzir e produzir, nós nem sempre conseguimos acompanhar esse ritmo; então, aceite pausas. Faça paradas. E isso não tem nada a ver com desistir ou andar para trás. Isso tem a ver com permitir. Permitir-se tomar um sorvete em um domingo à tarde e sair com os amigos no sábado à noite sem culpa. Isso inclui permitir viver longe de se achar problema ou dotado de dificuldades porque não conseguiu varar uma noite estudando ou porque, por algum motivo – provavelmente o cansaço -, você não conseguiu terminar o seu TCC.

Não é normal se culpar por não conseguir estudar depois de um dia inteiro na faculdade, não é normal se culpar por não ter conseguido estudar no feriado ou por não ter aguentado ler durante toda a madrugada. Que essas cobranças não nos aprisionem e que nós possamos conhecer as teorias e dominá-las sem deixar de conhecer a nós mesmos e aos outros, sem perder o controle da nossa vida, deixando que as cobranças tomem a direção.

Você pode saber como se fazem referências nas normas da ABNT e da APA sem precisar consultá-las, pode saber perfeitamente como elaborar um projeto de pesquisa, mas você também precisa saber viver. Precisa saber respeitar quando o seu corpo diz não e quando você está cansada emocionalmente depois de uma semana de provas. Relembrando, viver não consta no Lattes e, ao contrário das teorias e coisas que nos ensinam todo o tempo, viver não segue um manual. Aprenda a sobreviver às cobranças, não mergulhe nelas, a vida é muito mais do que isso.







Estudante de psicologia, apaixonada por artes, música e poesia. Não dispensa um sorvete e adora um pastel de feira com muito requeijão, mesmo sendo intolerante a lactose. Tem pavor de borboletas, principalmente as no estômago.