As inundações devastadoras que assolam o Rio Grande do Sul trouxeram à tona uma realidade angustiante para a população idosa, frequentemente negligenciada em meio ao caos e à necessidade de resgate rápido. Em meio à tragédia, histórias como a de Nadir Fernandes, de 78 anos, mostram o impacto profundo das enchentes sobre os idosos.
“Só peguei meus remédios e documentos. Perdi tudo”, relata Nadir. Moradora do bairro Navegantes, em Porto Alegre, Nadir foi resgatada às pressas com o uso de um trator. Durante a operação, a pá mecânica do veículo machucou suas pernas, e agora ela não consegue mais caminhar. “Nunca que eu sonhei que a água fosse lá em casa. Quase 50 anos morando no mesmo lugar e a água nunca tinha estado lá. Quando eu vi, a água estava me matando dentro de casa”, lembra emocionada.
O impacto das inundações é particularmente severo no Rio Grande do Sul, que tem a maior proporção de idosos no Brasil, com 14,1% da população acima dos 65 anos, segundo o IBGE. A estimativa da Defesa Civil gaúcha indica que aproximadamente 202,5 mil idosos foram afetados pelas chuvas recentes.
As operações de resgate revelam desafios específicos para os idosos, que muitas vezes têm mobilidade reduzida e condições de saúde crônicas. O médico voluntário Daniel Che Barbosa Paiva destaca as dificuldades que enfrentam: “Eles têm dificuldades para subir nos botes, porque têm a força reduzida”. Muitos precisam de aparatos especiais, como pranchas de resgate, e frequentemente relutam em deixar suas casas devido ao apego aos seus pertences e ao medo de invasões.
A psicóloga Clarisse Job, que atua em um dos abrigos improvisados, observa que muitos idosos chegam sozinhos, sem a companhia de familiares. “Às vezes, os companheiros já faleceram. A gente percebe que eles são um público mais fragilizado emocionalmente porque muitos perderam tudo o que construíram”, diz.
Nos abrigos, a realidade é dura. Nadir Fernandes passa os dias sentada ou deitada em um colchão, envolta em mantas para se proteger do frio. Ela está sozinha e não teve mais notícias de sua família. “Eu vivo sozinha. Eu tinha minha família toda. Os filhos se casaram, o meu marido faleceu e eu fico sozinha”, conta.
Paulo Roberto Gonçalves, de 70 anos, também enfrenta a solidão. Ele resistiu a sair de sua casa na Vila Farrapos, mas a subida das águas e a falta de comida o forçaram a buscar ajuda. “Passei quatro dias comendo pão com ovo. Enquanto tinha pão”, relembra.
Além da solidão, os idosos enfrentam a perda de seus lares e bens materiais. “Para muitos, significa perder tudo o que eles construíram, todas as lembranças, as histórias que ficavam representadas nos objetos que eles tinham em casa”, explica Clarisse Job.
O retorno para casa é uma preocupação constante. Nadir, que perdeu quase tudo, teme pelo futuro. “Eu já estava descansando a vida, mas agora isso aconteceu. Não deu certo. Perdi tudo”, lamenta. Paulo Roberto, pensando em seu gato Chico, tenta manter uma visão positiva: “A vida é bela para quem sabe curtir. Tu pode ser duro com o próximo, mas tu tem que ter calma contigo mesmo e saber o que se quer da vida. Tem que olhar pra frente”.
Embora as autoridades locais estejam trabalhando para oferecer abrigo e assistência, a psicóloga Clarisse Job destaca a falta de políticas públicas específicas para os idosos: “Não vejo nenhuma política pública voltada para os idosos […] eles parecem meio deixados de lado”.
Matéria com informações e entrevistas publicadas pelo MSN Brasil.
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