Fabrício Carpinejar
Posso jogar fora nossas fotografias, posso jogar fora poemas, posso jogar fora nossos objetos em comum, posso jogar fora nossos lugares prediletos, posso jogar fora nosso dialeto, posso jogar fora nossos rituais, posso jogar fora, acredite, posso jogar, mas não consigo jogar fora o jeito bonito que lhe amei. Olho para o meu amor por você e não consigo descartar. O meu amor por você era tão bonito.

Eu lhe amei como nunca amei ninguém. Como apagar, como esquecer, como fingir que não faz parte de mim?

Eu lhe amei com toda a minha devoção, antecipava voos para ganhar alguns minutos ao seu lado. Eu lhe amei com todas as surpresas que poderia inventar. Eu modificava minha agenda para lhe oferecer carona. Eu não reclamava de me acordar antes para preparar seu café. Você pedia, eu fazia. Você balbuciava, eu fazia. Você duvidava, eu fazia.

Derramei bilhetes pela casa, derramei gérberas pela casa, derramei roupas pela casa.

Não tive outra prioridade senão sua felicidade, mesmo que isso custasse minha paz.

Briguei demais pela nossa relação. Cada nova separação era uma esperança que voltássemos melhor.

Eu lhe amei com os sentimentos bons e ruins. Eu lhe amei com minha fé. Eu lhe amei com minha dor. Eu lhe amei com os meus traumas. Eu lhe amei com meus dramas. Eu lhe amei com minha amizade. Eu lhe amei com meu ciúme.

Todas as vezes em que me senti injustiçado, lhe ofendi para ver se recebia seu perdão.

Todas as vezes em que acabei a relação, sonhava com seu retorno.

Quis ser indispensável mais do que justo.

Eu pedi desculpa, insisti, enlouqueci. Fui um idiota, um sábio, um obstinado, um ingênuo, um ridículo. Fui até eu mesmo. Fui um pássaro com asas de âncora: rastejava pelo ar.

Só desejava ser seu, só desejava que fosse minha.

Rezava para que a saudade viesse, imponderável, suplicante, definitiva.
Nunca pensei minha vida sem você. Mesmo o meu pior procurava estar casado com você.

Até o último momento, busquei desarmá-la com a emoção. O último gesto redimiria qualquer desavença. O último gesto seria a entrega irrestrita. Um sim sonoro seria suficiente para combater as negativas sussurradas por dentro.

Empenhei tantas metamorfoses que não lembro o que entreguei. Eu me adaptava, voltava atrás, recuava, regredia, fingia segurança, simulava racionalidade, parava de fazer brincadeiras.
Por você, combatia os amigos, o mundo, a família.

Aguentei seus surtos, seus sustos, suas agressões, suas humilhações, seu deboche, suas alternâncias, sua mudança de opinião, aguentei você me deixando plantado no restaurante, nos bares, na rua, aguentei seus gritos, suas unhas, seus dentes.

Não fugi de conversar. Nunca deixei de atender um telefonema, nunca desliguei em sua cara, nunca deixei uma mensagem sem resposta.
Até o último momento, até depois do último momento, demonstrei que amava.

Não disfarcei, não omiti o que sentia. Disse com todas as palavras e todos os silêncios, para não gerar dúvidas.
Você não entendeu que eu lhe amei bonito.

E meu amor bonito não é meu, é seu. Não ficou comigo. O amor não é uma propriedade de quem sente, é uma transferência total para quem é amado. Assim como uma carta é de quem lê, não de quem mandou.

Espero que você não tenha jogado fora.

Publicado no site Vida Breve, cuja leitura recomendamos.

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