Patrimônio sagrado

Eu já não chamo vocês de empregados, pois o empregado não sabe o que seu patrão faz; eu chamo vocês de amigos, porque eu comuniquei a vocês tudo o que ouvi de meu Pai.
João:15;15

Achei muito interessante a colocação do professor e psicanalista, Gilberto Safra, de que os amigos guardam a nossa memória; são guardiões do nosso Ser.

Concordo, plenamente! Quantas vezes, surpreendemo-nos com a fala de um(a) amigo (a) de infância, que relata um acontecimento onde estávamos presentes e de que não nos lembrávamos mais? Como é bom! Resgatamos, ganhamos de volta algo precioso sobre nós e que havíamos perdido.

Porém, no dia a dia, vivendo tão preocupados com as tarefas assumidas, não há tempo para uma conversa, no meio da tarde, com as pessoas que amamos. Postergamos esses momentos para quando tivermos um pouco mais de folga. No entanto, somos guardadores de inúmeros rebanhos de memórias de pessoas queridas e, se não as narramos ou não damos a devida escuta à fala do outro, quando uma delas vem a falecer ou se distancia, é que percebemos a perda desses patrimônios vividos.

Posso dizer que tenho uma experiência triste a esse respeito.

Após um tempo da morte de meu pai, arrumando alguns de seus documentos, a frustração foi enorme ao constatar que o conheci tão pouco… Muitas perguntas ficaram no vazio… Quais eram seus sonhos, seus medos, suas alegrias… Quem era esse homem que me carregou no colo e que foi o meu chão por tantos anos?

Sei quando ele nasceu, porém não sei quais eram as circunstâncias em que seus pais viviam; sei que se casou com minha mãe, que teve quatro filhos, entretanto não sei o que ele pensou naquele exato momento em que viemos ao mundo.

E assim acontece com aquelas pessoas amigas que conviveram ou convivem conosco e com as quais pouco conversamos.

Tenho saudades dos diários que escrevi, das cartas de amor que mandei, dos bilhetinhos deixados nas casas de minhas amigas, dos álbuns que trocávamos umas com as outras, para que se deixasse escrito algo sobre nós, acrescido por uma bela poesia.

Porém, quase mais nada existe! As cartas, queimei-as; os diários, num determinado momento, pareceram infantis, rasguei-os e joguei fora; o álbum, felizmente, tenho guardado com muito carinho.

Crescer tem dessas bobeiras! Acreditamos que a primazia tem de ser a racionalidade, o afeto é coisa pequena e, assim, não mais o valorizamos.

Iniciei, recentemente, um diário e quero nele marcar todos os momentos vividos e os sentimentos que me acompanham.

Que insensatez seria deixar passar sem registro certos tesouros!

Como não registrar o céu azul deste mês de maio, a lua cheia que despontou toda orgulhosa nesta noite? E que bem cedinho ela ainda permanecia no alto, com toda a sua majestade?

A vida é bela, os amigos são valiosos e não quero ficar impassível frente a esses patrimônios .

Assim me decidi…

Imagem de capa:  Vasilyev Alexandr/shutterstock

Eliete Cascaldi

Psicóloga , escritora e avó apaixonada pelo seu neto e pela vida. Autora do livro "Varal de sonhos" e feliz demais com os novos horizontes literários que se abrem.

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