Na atual fase na qual vivemos no país percebo, com alegria, as pessoas se posicionando contra ou a favor do que vem acontecendo na esfera política. Muitos no calor do momento acabam se exaltando e expressam com palavras não tão bonitas, não tão delicadas, não tão ponderadas o que pensam.
Existem os que se incomodam com essa forma de se expressar, que dizem que não é ajuizada, mas para mim essa exaltação, tão própria nossa, de rir e chorar alto, é uma explanação sincera e plausível de quem sente com o coração e se indigna.
Podemos definir como indignação um sentimento de cólera diante do que nos parece injusto. Logo, em um momento em que a justiça é colocada em pauta é bastante plausível que nos indignemos com o que não nos parece correto.
A mim estranho seria se hoje ao acordar, encontrássemos os meios de comunicação mudos e as pessoas silenciosas. A mim essa forma de comportamento seria sim deveras assustadora. E pensando nisso me lembrei do livro “O Doador de Memórias”, uma bela distopia, escrito pela autora Lois Lowry em 1993 e que recentemente virou filme.
Resumidamente neste livro, e em sua adaptação cinematográfica, todos vivem em uma sociedade hipoteticamente perfeita. Contudo não há emoções – silenciadas por comprimidos – nesse mundo imaculado. Não há lembranças, não há vontade própria, nem escolhas nele. Não há contato físico e sexual, todos seguem a mesma regra e a cada ano todos fazem até mesmo aniversário no mesmo dia. Ninguém sente ódio ou paixão e tudo é monocromático por lá. Não que as cores não existam, mas é que as pessoas foram condicionadas a não as verem.
Nessa sociedade vive o protagonista, Jonas. Um menino de 12 anos que no dia de seu aniversário recebe uma designação especial e diferente, nesse dia ele é escolhido pelo governo, que se mostra como absoluto em suas decisões, como um receptor de memórias e de sentimentos. Jonas então começa a perceber, ao conhecer o passado e tudo que lhe foi escondido, que a sociedade e a vida não são perfeitas, mas que há uma beleza sem fim nessa imperfeição. Nesse ponto as cores começam a voltar ao seu mundo.
Essa distopia é encantadora, pois nos mostra que questionamentos, não importa em que tom, levam a mudanças de comportamentos. Aceitar o andar da carruagem e não indagar, não se indignar, não se exaltar é algo não humano, é algo que se alonga para além da nossa natureza.
Somos de carne e osso e ansiamos poder escolher e explanar sobre nossas escolhas. É da nossa natureza nos indignar com aquilo que subverte, que chama para a briga, que nos salta aos olhos.
Há os que dizem por aí que o correto é opinar apenas quando os pareceres forem irrevogáveis. Quando o martelo for batido. Mas o sentir não deixa para depois o que cutuca no agora. Então os ânimos se exaltam e o silêncio morre.
E para mim existe muita vida e riqueza nesse não silêncio e desde que, mesmo com os ânimos exaltados, as opiniões, por mais contrárias que sejam, possam ser explanadas, debatidas, digeridas ou cuspidas, todo parecer se mostra precioso.
Cada palavra que se explana e se indigna é um ponto de tinta que se borrifa na tela da vida. É a vida se fazendo em múltiplas cores e não só com uma.
Então que corram soltos nossos pareceres e indignações. Que nós possamos gozar da liberdade de sentir e falar o que pensamos, pois quando o correto for calar, quando os olhos não enxergarem mais cores, não serão mais nossas as decisões e as escolhas.
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Imagem de capa: DarkBird/shutterstock
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