Dirigir permite que, enquanto um percurso é trilhado, outro seja visitado. A atenção é dividida entre o automatismo do volante, as características da estrada e os pensamentos mais inusitados.
Num desses caminhos, em meio ao relevo montanhoso da região onde moro, fui visitada por uma frase de Rubem Alves “Eu cheguei onde cheguei porque tudo que planejei deu errado”.
Frase de conteúdo profundamente real, fala sobre como somos moldados pela imprevisibilidade da vida. E, no olhar sempre à frente de Rubem, constata que o fato de algo dar errado, não significa necessariamente uma consequência ruim em nossa história. Afinal, somos o que a vida fez de nós, mas também somos o que fazemos com aquilo que aconteceu. Ou seja, se não há escolhas capazes de neutralizar imprevistos, catástrofes, erros ou grandes perdas, de uma maneira ou de outra, existem escolhas que são determinantes para começarmos a nos refazer e redefinir caminhos, metas e sonhos.
Trabalhei por quase 6 anos em uma área da Psicologia chamada Saúde do Trabalhador. E, curiosamente, o que mais vi foram pessoas que , frente a um ambiente que não oferecia mais nenhuma razão para continuar, não conseguiam cortar os laços com os anos de história que as conduziram até aquele momento.
Não era incomum, por exemplo, que uma pessoa que conseguiu seu primeiro emprego como cozinheira, permanecesse trabalhando em cozinhas e áreas correlatas ao longo de toda sua vida. O mesmo acontecia com motoristas, pessoas que trabalhavam em fábricas, profissionais do serviço público e assim por diante. Entretanto, quem foi que estipulou que nossas primeiras oportunidades de trabalho têm de definir o que vamos fazer ao longo de toda uma vida?
Esse fatalismo tem criado pessoas infelizes; talvez, as mais infelizes que eu já conheci; e, por dois motivos: o primeiro é que elas realmente desenvolvem uma identidade relacionada apenas a uma área de atuação; e o segundo, porque, como nunca tentaram se arriscar, sentem-se incapazes de ter outras experiências ; acham que é tarde demais.
É por isso que, quando tudo dá errado, o que parece ser o pior momento de nossas vidas pode ser uma grande oportunidade. Nós tendemos a optar pelo conforto e se estiver tudo dando mais ou menos certo, vamos ficando. Ficamos com um casamento ruim; com um emprego ruim, mas que paga as contas; mantemos hábitos ruins. Entretanto, quando algo realmente acontece e temos que recomeçar, o novo ciclo pode ser uma oportunidade de profunda libertação, pois nos tira da zona de conforto. A destruição nos obriga a reconstruir.
Todo mundo deveria desenvolver uma atividade paralela ou ter passatempos que pudessem ser monetizados. É revigorante experimentar diferentes profissões, descobrir que temos condições para aprender e desenvolver novas habilidades e ocupações. Ninguém deveria ser definido apenas como “médico”, “motorista”, “cabeleireira”, “advogado”, “psicólogo”, “juiz”. Isso se torna excessivamente pouco, quando passa a ser o tudo de alguém.
Somos seres complexos que, ao não termos nossas potencialidades exploradas e desafiadas nos tornamos amargos, mesquinhos, esnobes, pois nos apegarmos ao pouco que já conquistamos. Precisamos acreditar que aquilo que define a nossa vida é o melhor possível; para, assim, nos sentirmos em paz. Ledo engano.
Sou à favor de mães bailarinas, motoristas que trabalham no circo, técnicos de enfermagem que também são escritores. Sou à favor de sonhos sendo realizados, do desapego ao status e à ilusão de segurança.
A vida exige que paguemos as contas, que cuidemos de nossos filhos, que cumpramos horários, mas ela nunca nos proibirá de experimentar coisas novas, se nós realmente estivermos dispostos a nos arriscar.
Casos de pessoas que mudaram de profissão e estilo de vida não faltam. Eu sou um deles.
A estabilidade é ilusória, as profissões são ilusórias. É necessário conhecer novos caminhos.
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