Existe dentro de nós um lugar doce e sereno onde podemos tocar nossas mais tenras alegrias. Nele nos deixamos ouvir, nos fazemos entender, nos permitimos refletir. Nele dedilhamos as páginas dos livros que nos encantaram, as lembranças mais queridas, aquelas que marcaram a pele e o sentir. Nele voltamos para os momentos vividos no amor, na alegria de boas descobertas, na candura de canções que nos embalaram enquanto chorávamos calados nossas decepções.
Nas janelas desse nosso recôndito particular estão as paisagens mais lindas que nossos olhos tocaram, os melhores gestos, os olhares mais doces que ganhamos na vida. Está tudo que um dia teve valor para nós e que ainda tem. Estão pensamentos, canções, entes amados e bichos da infância, com suas belezas e despidos da fragilidade do tempo. Nesse reduto está tudo de bom que nos fez o que somos hoje. Em nosso mundo interior, está o nosso coração. E sempre que possível nos convém voltar a ele.
Muitas vezes, nos esquecemos quão importante é nos permitir um pouquinho de uma solidão mansa e produtiva. Quão importante são as palavras de um livro estimado, as cenas de um filme querido, a comida de um restaurante conhecido, a lembrança de um amigo. Quão tocante é passear por um museu silencioso em companhia dos próprios pensamentos. Quão confortante é reviver na memória o melhor do amor e tirar de lá forças para novamente amar.
Ter-nos como objeto do nosso amor mais cuidadoso é uma benção e não nos convém dar ouvidos aos que dizem ser egoísmo nosso separar um pedaço de tempo só para nós. Sem esses momentos particulares corremos o risco de morrermos de fome. E essa fome não é aquela que míngua o corpo, não. Essa fome é uma outra, estranha e triste, que nos permite viver até os cem anos, mas que antes disso suga, de canudinho, toda nossa animação para com a vida.
Sempre que me encontro com pessoas que sorriem com os dentes, mas que efetivamente não expressam qualquer emoção, fico sentida, pois em minha frente vejo aqueles que efetivamente já se foram. E ao lado de pessoas assim, aos poucos, também morremos.
A nossa expectativa de vida aumentou muito nas últimas décadas mas, bem poucos chegam efetivamente vivos até o final. E eu ouso dizer que esses poucos são aqueles que protegeram, com afinco, o direito de voltarem a eles sempre que possível. São os que não se deixaram apagar pelas obrigações e desventuras do viver, são os que souberam da importância desse espaço interior tão belo e particular, mantendo-o sempre arejado e bem cuidado, iluminado pelas melhores ideias e vivências, repleto de sonhos, destrancado e sedento por mais daquilo que faz o coração bater mais forte.
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