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A primeira vez que viajei para a Europa, eu tinha 39 anos. Minha cabeça, como se dizia na época, estava feita. O que foi uma pena. Gostaria que a inspirada estética europeia – de seus parques, museus, casarios, histórias – tivesse influenciado meus anos de formação.
Mas outro pedaço do mundo cumpriu essa função. Foi na Colômbia, aos 20 e poucos anos, que inaugurei minha saída ao exterior. Logo depois, mochila nas costas, foi a vez da Bolívia, Equador e do maravilhoso Peru – com os encantadores Cusco e Machu Picchu.
Para todos esses lugares, retornei. Mas nunca senti o impacto da primeira visita. É claro, isso faz parte da natureza humana. Por isso a memória valoriza os primeiros: beijo, carro, palco, anestesia geral, passeata, sexo bom. O contrário sucede com o rotineiro.
Trilhar sempre o mesmo caminho pode nos dar conforto, segurança, mas também instaura o tédio. Daí a inquietante ambivalência em optar pelo sabido ou pelo desconhecido. Escolher entre o embarque doméstico e o internacional.
Para mim, o filé mignon de viajar para o exterior é a oportunidade de enxergar melhor como vivemos dentro. Por exemplo, descobrir o Brasil fora do Brasil. Parecido com a metáfora de deixar a casca do ovo para refletir com mais amplitude e perspectiva.
Foi num salão de salsa em Bogotá que descobri que dançar e festejar não eram talentos só dos brasileiros. Em Veneza, com seu caleidoscópio de canais e becos, tive a comprovação que mapas e guias nem sempre dizem a verdade.
É fato que viajar não é a única maneira de conhecer. Dizem que o carioca Machado de Assis (1839-1908) viajou, no máximo, para Niterói. Ou seja, apenas atravessou a baía de Guanabara. Mas ele percebeu o país de forma aguda e ímpar como demonstram seus vários livros.
Da mesma forma existem pessoas que nunca saíram de seus grotões, mas conhecem o regime das marés, as fases da lua e o que dizem nuvens e estrelas. Gente que viaja sem sair do lugar. Gente que pressente caminhos sem mover um dedo do pé.
O tempo, cicerone absoluto, vai nos mostrando a nascente e a foz dos rios de dentro, das paisagens da alma. Essas que dispensam filas de aeroporto, estações de trem, rodovias. Essas que ignoram fronteiras e viajam sem passaporte. Os rios interiores fazem, com os cinco sentidos, mares escancarados.