“Como culpar o vento pela desordem feita, se fui eu quem esqueceu a janela aberta?” (Douglas Bucalem)
Somos perfeitamente capazes de deixar os ambientes em ordem, planejando com maestria o lugar onde se encaixam os objetos à disposição, para que os espaços por onde transitamos se tornem mais práticos. Conseguimos analisar a utilidade das coisas e sua função em nosso dia-a-dia, livrando-nos de quinquilharias inúteis e que somente ocupam lugar à toa. No entanto, dentro de nós, costumamos deixar tudo bagunçado, fora de lugar, acumulando sentimentos inúteis e que atrapalham o trânsito tranquilo de nossos sentidos.
Arranjamos tempo para ver a novela, tomar uma cerveja, jogar bola, ler um livro, ao passo que negligenciamos as necessidades que pulsam em nossos espaços mais íntimos, descompassando nosso interior com as aparências a que nos prendemos. E assim vamos cuidando do mundo aqui fora de nós, tornando-o vitrine de uma vida que não nos pertence de fato, pois regamos com perfume nosso exterior, enquanto transformamos em verdadeiros ferros-velhos os anseios de nossa essência.
Tendemos a fechar os olhos às necessidades por que nossos sentidos clamam, uma vez que não é fácil olharmos de frente para nós mesmos, no sentido de encararmos os resultados de todas as escolhas que fizemos – muitas delas equivocadas. Com isso, ignoramos deliberadamente as necessidades de nossos sentimentos, na tentativa de manter os comodismos que sustentam a mediocridade de nossas vidinhas cor-de-rosa, que mal se sustentam nos terrenos sombrios dos fantasmas que teimamos em não enfrentar. Além disso, muitas vezes nossas necessidades nos pedem que tomemos atitudes por demais corajosas e, como nos julgamos bem menos fortes do que realmente somos, preferimos não dar atenção àquilo que é vital ao nosso respirar com liberdade. Tirar de nossas vidas quem já não caminha conosco, procurar um novo emprego, partir para outras paragens, dizer o que se pensa a quem queira ou não ouvir, impor os próprios desejos, mergulhar fundo na paixão que avassala, romper com a família em que não existe mais acolhida, enfim, ser alguém verdadeiro, ainda que desafogue as nossas pendências, cobra-nos um alto preço, qual seja, perder muito do que equivocadamente achamos nos ser imprescindível.
Apesar de todas as dores e contrariedades que enfrentaremos, não podemos deixar de prestar atenção em nós mesmos, em tudo o que nosso corpo e nossos sentidos pedem, às vezes gritam, ou estaremos fadados a ruir, levando junto conosco quem e o que nos rodeiam. Por mais que fujamos ao enfrentamento das bagunças que nós mesmos criamos e à aceitação de que aquilo que nos acontece é resultado do que fizemos, sendo tão somente responsabilidade nossa, uma ou outra hora nossa sobrevivência dependerá disso e teremos de fazê-lo.
Poderemos passar uma vida lamentando o que poderia ter acontecido, o que poderia ter sido dito ou desdito, o que não deveria ter acontecido, ou poderemos digerir isso tudo e agir conscientemente, no sentido de mudarmos as coisas a partir do agora que já temos. Inegavelmente, nada se sustenta ou dura quando não existe verdade, portanto, teremos que sempre nos guiar com base naquilo que somos, temos e queremos, ordenando os rumos de nossas vidas, de acordo com nossas convicções, ou estaremos bagunçando o reduto de nossa essência e condenando-nos à desordem e aos descaminhos que tanto nos impedem de alcançar a felicidade. E o que importa, no final das contas, é ser feliz, sempre, sem bagunça acumulada.
Imagem de capa: Natalia Lebedinskaia/shutterstock
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