Você só conhece de verdade a pessoa quando há dinheiro em disputa sobre a mesa. Ouvi isso duas vezes. De pessoas diferentes. Com a mesma intenção: insinuar desonestidade e traição no comportamento do outro diante de uma possibilidade de ganho financeiro. O interessante é que disseram isso uma em relação a outra. Então deve ser verdade. Deve ser um traço universal da nossa espécie. Uma das tantas verdades que definem o ser humano e que são duras de admitir – porque, se definem o humano, meu amigo e minha amiga ingênuos, acabam definindo a mim e a você também, forçosamente.
Machado de Assis era um mestre (ou melhor: é. Sua obra é imortal) em identificar e escancarar, com ironia perfurante, essa grande mesquinhez que habita a alma de quase todos nós. E que se acentuaria na medida dos ganhos e da locupletação colocados sobre a mesa. Tem um conto exemplar do Machado em que um sujeito se sente impelido a dar uma gorjeta a outro por um serviço bem prestado. À medida que vão se aproximando, na rua, o sujeito vai revendo seu ímpeto generoso. Pensa que o outro ficaria feliz com menos, que não precisaria dar tanto, que muitíssimo menos já resolveria, e assim vai arregimentando uma série de atenuantes. Vai de tal forma tratando de minguar intimamente a ideia da gorjeta que, ao se cruzarem, ela já virou nada, coisa nenhuma. Acho que o sujeito sequer cumprimenta o outro. No mais das vezes, nós somos assim. Pequenos. Vis. Egoístas. Matamos a generosidade e a gratidão em nós como se elas fossem doenças que, se não tratadas, nos levariam à morte por miséria e por escárnio. (E no mundo em que vivemos talvez esse medo não seja totalmente absurdo.) O desapego e a entrega e a correção e a justeza são traços absolutamente raros de caráter. Virtudes cada vez menos frequentes e portanto, a meu ver, cada vez mais valiosas, fundamentais, necessárias. Coisa para poucos, pouquíssimos.
É realmente triste contemplar o ser humano sob esse prisma. Inclusive porque essa visão é cristalina: é assim mesmo que as coisas são. Você abre uma empresa e na hora de escapar dos ônus ou de dividir os bônus é um deus nos acuda, ou um toma que o filho é teu ou um pega para capar. (Três clichês para deixar bem claro o que quero dizer.) Sabe o seu irmão querido, com quem você tem tanto em comum? Pode virar um ogro na hora da partilha da herança que vocês tem em comum. Ou pior: o ogro pode ser você. Sabe sua filha, por quem você daria sua vida? Talvez vá ter vergonha de você e não vá querer vê-lo mais assim que você envelhecer. Sabe sua mulher, com quem você tem conta conjunta e com quem você partilha todas as suas conquistas materiais e sua vida financeira? Ahahahah. É isso o que tenho a lhe dizer: ahahahah.
A essas todas, tento pensar como um Jedi: primeiro, é preciso resistir ao Lado Sombrio da Força. A cafajestice generalizada não pode fazê-lo virar mais um Lord Sith a empestear o universo. Segundo, é preciso sempre lançar mão do Sabre de Luz para defender o que é bom e justo. A começar, pelo que é bom e justo dentro de você.
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