Por que a criação dos nossos filhos está intimamente ligada ao futuro do nosso país?

Política não é a especialidade dos psicólogos; comportamento humano, sim. Então, convido vocês a refletirem comigo sobre nós mesmos. Vou descrever comportamentos amplamente vistos na nossa cultura e que, se não modificados, vão continuar gerando, entre outras consequências, a permanência do atual cenário político do nosso país.

Vejam a seguinte descrição do nosso povo, feita por ingleses que viveram aqui entre 1800 a 1900: “Povo alegre e simpático, mas, extremamente preguiçoso e ignorante. Até o serviçal tem serviçais. Ninguém gosta de fazer um mínimo trabalho braçal”. O trecho é de um livro que fala sobre a presença inglesa no Brasil colônia. Parece que temos passado essa cultura de pai para filho.

Criamos nossos filhos sem ensiná-los a tirar o prato da mesa, a ajudar nas atividades domésticas, a arrumar a própria cama. Impedimos que colaborem, deixamos de ensinar que cuidar de si e fazer sua parte no convívio familiar é regra, e isso vai valer para quando ampliarem as relações. Ensinamos que não é preciso fazer nada, a roupa surge milagrosamente limpa na gaveta, a comida aparece em um passe de mágica pronta na mesa e os pratos se lavam sozinhos – sendo assim, quando eles crescem, continuam se fazendo de mortos e esperando que alguém faça as coisas para eles. Fabricamos futuros adultos preguiçosos e folgados. Somos mesmo um povo que busca serviçais para tudo, achamos lindo colocar gasolina no próprio carro, quando estamos a passeio pelos Estados Unidos da América, mas aqui, não somos capazes nem de lavá-lo. Ensinamos aos pequenos, desde muito cedo, a expressar sinais de pertencer a uma classe social privilegiada e eles crescem se achando “a realeza”.

Enquanto cidadãos, achamos que o nosso tempo e o nosso espaço vale mais que o dos outros. Furamos fila, paramos nossos carros em locais proibidos. Não temos senso algum de coletividade. Achamos lindo andar de metrô no exterior, mas, na nossa vida cotidiana, somos incapazes de andar de transporte público ou até mesmo de revezar as idas de carro ao trabalho com um companheiro. Vivemos para ostentar, para usufruir, e só. Brasileiros se mudam para casas enormes, cuja parte externa está linda e impecável, porém, dentro delas, não há lustres nem conforto algum, estão inacabadas – mas, nossa preocupação é com o que o outro vê, mesmo que isso custe dormir em um quarto cujo chão ainda está no contrapiso.

Não seguimos as regras, tampouco as leis. Chegamos atrasados nos compromissos. Atendemos nossos clientes e pacientes com duas, três horas de atraso. Não separamos nem sequer o nosso lixo. Pagamos por benefícios, por exclusividades que deveriam ser nossos direitos. Expomos crianças de três anos ao que é uma roupa de grife e ensinamos a elas que as pessoas são melhores quando as usam. Usamos réplicas de roupas e acessórios das referidas grifes mesmo sabendo que são produto de trabalho escravo, infantil e que nenhum imposto é pago pelos “fabricantes” delas. Somos um povo puxa-saco e bem pouco afetivo. Gostamos de quem tem, não de quem é alguma coisa. Pensamos ser melhores que os outros, tudo tem que girar ao nosso redor e tudo tem que ser na hora em que queremos.
Não aceitamos restrição, só pensamos nos privilégios, criticamos com maestria os políticos do nosso país, mas, oferecemos dinheiro ao garçom para que ele deixe o uísque da festa na nossa mesa. Isso é pagamento de propina, é corrupção, não é? Comportamentos assim são vistos por nossos filhos!

Só conseguimos enxergar o nosso umbigo. Furtamos roupão de hotel, copos de bares e qualquer coisa que esteja ao nosso alcance. Gostamos de tudo que é grátis, porém, não usamos o sistema único de saúde. Não gostamos de ler, nem de arte. Dividimos os locais onde frequentamos como se vivêssemos em castas indianas. Olhamos para os problemas sociais gravíssimos do nosso país com muita pena, muito pesar, mas, só. Nosso mundo é outro e assim, deixamos de passar conceitos básicos de solidariedade, de convívio, de educação e de realidade aos nossos filhos.

Daqui a vinte anos, quem serão os responsáveis pela administração pública do nosso país? De nada adianta matricular seu filho na melhor escola do mundo, se continuar agindo como se a luz amarela do semáforo fosse para avançar. De nada adianta esse inconformismo todo com a situação política do nosso país, se nós continuarmos agindo como idiotas. Primeiro, precisamos administrar nossa vida e nosso lar com honestidade, dignidade, bom senso, e acima de tudo, com caráter. Enquanto a ética, as leis e as regras só valerem para o outro ou para o nosso benefício, nada vai mudar.

Revisado por Flávia Figueirêdo.

Viviane Battistella

Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...

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