Uma noite em que o Brasil virou o foco das atenções para bilhões de pessoas espalhadas pelos mais diversos pontos do planeta. Era uma noite em que a festa do esporte olímpico ganharia as telas de TV a partir do nosso país. Uma noite em que exibiríamos para o mundo a nossa interpretação, ou pelo menos de alguns de nós, do que é receber em solo brasileiro aqueles que dedicam suas vidas a incontáveis horas de treino, anos de disciplina e uma vida de compromisso ao esporte, fazendo dessa missão quase um sacerdócio.
Diante de nossos olhos, quer tenha sido ao vivo ou pela pequena tela, um espetáculo de criatividade, de respeito à nossa história, e de integração entre as muitas vertentes culturais que fazem de nós um povo diverso, cheio de cores externas e internas, reveladas por uma gente que anda vivendo um enorme conflito de identidade; uma gente que vem sendo bombardeada por ondas de descaso político e corrupção nos mais diversos níveis; uma gente que merece ser valorizada em sua incrível força diante de tantas adversidades e inseguranças.
Fomos surpreendidos por uma cerimônia que não reproduziu a imagem clássica de Atenas, a força de Pequim, nem a tecnologia de Londres. Fomos arrebatados por uma festa calorosa e exuberante, durante a qual demos um importante recado universal sobre a destruição de nossas riquezas naturais, em decorrência de um comportamento que revela a falta de consciência planetária sobre a finitude dos recursos da natureza e a irresponsabilidade diante da criminosa emissão de poluentes na atmosfera. “Outros países fazem suas cerimônias olhando para o próprio umbigo, mas nós estamos aqui para dar um recado ao mundo. Uma mensagem para o futuro”, explicou Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus, aclamado filme que retrata a vida em uma favela carioca.
O Maracanã exibiu ao mundo um Brasil cheio de orgulho e de garra, um Brasil que por alguns momentos guardou na gaveta a tristeza pela enorme crise econômica e política que nos assola. O Maracanã foi palco de uma demonstração de talentos valiosos e diversos. Fomos agraciados pelos versos de Drummond, na voz de nossa ilustre Fernanda Montenegro; e os versos nos tocaram sobremaneira, talvez porque nos identifiquemos com a flor do poeta que “É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”. Assim somos nós, o povo brasileiro, precisamos furar o asfalto do descaso público, estamos exaustos de aturar o tédio estampado na cara dos políticos corruptos, somos omissos diante do nojo que alguns de nós teimam em ter por outros de nós menos favorecidos economicamente e lutamos para não sucumbir ao ódio, diante de tanta iniquidade.
E tudo isso é realmente muito grave e sério. E aqui ninguém está acreditando que essa suposta euforia de festa seja capaz de nos fazer esquecer que temos uma montanha de problemas a resolver e um exército de monstros reais a enfrentar.
Mas aquele era um momento de festa! E, por mais revoltante que seja a nossa situação, quem é de nós que permite que a crise em que fomos mergulhados ofusque o brilho das nossas merecidas conquistas? O destino desse país é nossa responsabilidade, de cada um de nós. E vamos lutar para que possamos ter orgulho dessa terra, não apenas na cerimônia de abertura das olimpíadas. Mas, temos o direito de celebrar nossos talentos e nossa capacidade de fazer uma festa que não foi a mais cara, nem a mais pomposa, nem a mais sofisticada; mas a foi, sem dúvida nenhuma, a mais alegre, criativa, leve, afetiva e contagiante cerimônia já vista em todos os tempos.
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