Muitos de nós, em algum momento de nossas vidas, já nos apaixonamos por um amigo muito próximo. Trata-se de uma daquelas situações em que não conseguimos pensar com clareza, em que ficamos confusos sobre a natureza daquele sentimento, o que nos deixa intranquilos e sem saber o que fazer. Afinal, avançar o passo e declarar-se, em muitos casos, pode significar o distanciamento e a perda da amizade que nos é tão especial.
Talvez isso seja comum pelo fato de que com um amigo íntimo nós temos a liberdade de sermos naturais e verdadeiros, sem máscaras. É muito tranquilo abrirmos os nossos corações a um amigo, tornando-o alguém que nos conhece em tudo de bom e ruim que carregamos aqui dentro. Ao lado dele, festejamos nossas vitórias e amargamos nossas derrotas, descrevemos nossos sonhos mais absurdos e revelamos nossos medos mais bobos.
E não é exatamente essa liberdade e essa cumplicidade que se espera de um amor com quem compartilhar vidas? Quase tudo aquilo que uma amizade verdadeira nos oferece, como se vê, corresponde ao que desejamos obter junto aos nossos relacionamentos amorosos; daí ser frequente surgirem novos amores a partir de fortes laços fraternais. Lançar-se ao encontro da construção amorosa junto a um amigo, por isso mesmo, a muitos se torna inevitável.
No entanto, caso não haja reciprocidade de sentimentos entre ambos, tentarmos avançar no relacionamento poderá nos trazer tanto a decepção da rejeição, quanto a perda de uma amizade essencial em nossas vidas. Muito provavelmente, nesse caso, a relação entre os amigos não voltará a ser a mesma, uma vez que é preciso muita maturidade emocional para reatar o que já se tinha, após uma significativa mudança de direção emotiva na jornada. Poucos terão o equilíbrio necessário à retomada de tudo o que havia antes.
Nem sempre teremos a certeza de que o outro sente por nós a mesma coisa que por ele sentimos, ou seja, arriscarmo-nos será muitas vezes necessário, caso queiramos tentar partilhar mais do que amizade com aquela pessoa querida. No entanto, precisaremos ter a consciência de que estaremos sujeitos a obter de volta o vazio dolorido junto às lembranças do então ex-amigo. Da mesma forma, caso não nos arrisquemos, poderemos ter de carregar o peso da dúvida pelo resto de nossos dias. Trata-se, pois, de uma decisão pessoal e que necessita de cuidados e de ponderações.
Ninguém há de negar, contudo, que nos casarmos com alguém com quem cultivamos uma grande amizade vem a ser uma das mais prazerosas conquistas que poderemos obter, pois a união de corações que já são cúmplices há tempos só tende a tornar esse sentimento mais forte e duradouro. É um risco que talvez valha a pena correr. Porque o amor requer muito mais do que atração física, precisa de muito menos do que conforto material e, sem dúvida alguma, alimenta-se diariamente de reciprocidade afetiva, o que existe de sobra nas amizades verdadeiras.
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