Por que tanta tristeza se você acabou de ter um filho lindo e perfeito?

Por Lilian Marin Zuchelli

A princípio realmente parece não fazer sentido que uma mulher que acabou de dar à luz a um bebê saudável sinta-se triste e deprimida. Mas, isto é muito mais comum do que se possa imaginar.

Um grande número de mulheres passa pelo puerpério, período que se inicia logo após o parto e tem uma duração de aproximadamente três meses, com essa sensação de tristeza profunda, ansiedade, medo e instabilidade emocional.

É uma fase de profundas alterações físicas, psicológicas e sociais na mulher, na qual aumentam os riscos para o aparecimento de transtornos psiquiátricos. Há necessidade de reorganização social e adaptação a um novo papel. A mulher tem um súbito aumento de responsabilidade por se tornar referência de um novo ser indefeso, sofre de privação de sono e isolamento social. Além disso, é preciso a reestruturação da sexualidade, da imagem corporal e da identidade feminina. É um momento desencadeador de uma série de mudanças intra e interpessoais.

São três tipos de distúrbios psiquiátricos puerperais: Tristeza Pós Parto, Depressão Puerperal e Psicose Puerperal. O que os distinguem é a gravidade do quadro e o que ele tem de incapacitante, afetando a funcionalidade da mãe e pondo em risco seu bem estar e o do bebê.

A Tristeza Puerperal é um distúrbio leve e transitório com poucos dias de duração. Acomete 50% a 85% das mulheres. Os sintomas são: choro, flutuação de humor, irritabilidade, fadiga, tristeza, insônia, dificuldade de concentração e ansiedade relacionada ao bebê. Pode durar de uma semana a 10 dias.

A Depressão Puerperal (DPP) é um transtorno psíquico de grau moderado a severo e atinge 10% a 20% das mulheres. Os principais sintomas são: tristeza, choro fácil, desalento, abatimento, labilidade, falta de apetite, náuseas, sensação de incapacidade de cuidar do bebê e desinteresse por ele, desinteresse pelas atividades do dia a dia, distúrbios do sono, insônia inicial e pesadelo, ideias suicidas, perda do interesse sexual e culpa. Desenvolve-se lentamente em semanas ou meses (Silva, E.T.; Botti, N.C.L., 2005).

A Psicose Puerperal é um distúrbio de humor psicótico que apresenta perturbações mentais mais graves. Ocorre em 0,1% a 0,2% das mulheres, seu início é abrupto nas duas ou três primeiras semanas após o parto. Tem como sintomas: confusão mental, perda do senso de realidade, agitação psicomotora, angústia, insônia, evolução para formas maníacas, melancólicas ou até mesmo catatônicas (Klaus e col., 2000). Segundo Vera Laconelli (2005), para a mulher em surto o bebê não existe como tal. Ele passa a ser um espaço vazio preenchido por elementos do psiquismo da mãe, cindidos do real.

The Man is at Sea is a recreation by Van Gogh

Analisando a gravidez e o pós-parto sob um ponto de vista simbólico, entende-se que, o materno é um aspecto feminino que precisa ser elaborado no desenvolvimento da personalidade da mulher mesmo que não ocorra uma gravidez física. Gallbach afirma, baseada na teoria de C.G. Jung, que esse aspecto materno, uma vez constelado, deve ser confrontado pela mulher e ela deve deixar-se ser regida por ele. Assim ela passará pela transformação psíquica de “menina-moça para mulher-mãe. Num sentido mais amplo, de gerada para geradora, de criatura para criadora” (Gallbach, 1995).

Apesar de todo sofrimento envolvido, é possível correlacionar a depressão pós-parto como um momento positivo, de amadurecimento da mulher, contribuindo no processo de individuação e encontro de si mesma. As mudanças que ocorrem tanto físicas quanto psíquicas propiciam à ela um encontro com a sua essência. Desde o desejo de ser mãe, até o fato concreto de ter a criança nos braços, a transformação acontece independente de sua vontade consciente.O corpo vai lentamente se transformando e ao longo de nove meses um novo ser vem sendo gestado e a princípio se confunde e vive em simbiose com a mãe.

A mulher que, neste período, conseguir refletir e se entregar de corpo e alma ao processo pelo qual está passando, terá a chance de um entendimento maior, de uma elaboração do materno e do feminino como aspectos que pertencem a si e a uma esfera maior ao mesmo tempo. Essa passagem física de filha para mãe pode propiciar a compreensão psíquica de que o nascimento concreto de uma criança também pode ser vivido como renascimento de si mesma agora, transformada em mãe. A gravidez e a maternidade ainda podem ser refletidas como um processo de iniciação feminina que promove o contato com conteúdos inconscientes, a integração destes à consciência e consequentemente a ampliação e transformação dos mesmos.

A forma que vivemos hoje, associada à cobrança dos papéis sociais que devemos desempenhar impede, de alguma forma, esse olhar para dentro de si nesse período tão importante na vida da mulher. Esse pode, hipoteticamente, ser uma das causas dos transtornos psíquicos no puerpério.

A psicoterapia associada á técnicas de trabalhos corporais pode auxiliar nesse período por serem facilitadores no processo de autoconhecimento e busca de si mesmo. Além de diminuírem o estresse por proporcionar um relaxamento, essas técnicas promovem um rebaixamento no nível de consciência facilitando o acesso aos conteúdos inconscientes que, uma vez acessados, podem ser identificados, clarificados e integrados à consciência propiciando uma ampliação da mesma.

Fontes:

KLAUS, M. H., KENNEL, J. H. & KLAUS, P. (2000). VÌnculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artes Médicas.

GALLBACH, M.R. – Sonhos e Gravidez – Iniciação à Criatividade Feminina. Paulus, 1995.

IACONELLI, V. – Depressão Pós-parto, Psicose Pós-parto e Tristeza Materna – Artigo da Revista Pediatria Moderna, v.41 n.4, 2005.

LILIAN MARIN ZUCCHELLI – Depressão Pós-parto Como Um Momento Positivo no Processo de Individuação da Mulher: Uma Visão Simbólica – Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal, 2011.

SILVA, E.T.; BOTTI N.C.L. – Depressão Puerperal – Uma Revisão de Literatura – Revista Eletrônica de Enfermagem v.07, n.2, p.231-238, 2005. Disponível em http://www.fen.ufg.br

Lilian Marin Zuchelli – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Institiuto Sedes Sapientiae. CRP: 06/23768

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