Shoppings e lojas já começam a se enfeitar com guirlandas, sinos e neve de algodão. Nas vésperas do verão, no hemisfério sul, a visita de Papai Noel, esse personagem importado de terras geladas, bonachão, de barba branca e roupa vermelha, é esperada com ansiedade pelas crianças, mesmo que elas deixem de acreditar nele cada vez mais cedo. Afinal, em tempos de internet e crianças conectadas, as histórias da carochinha estão perdendo a validade muito precocemente no imaginário infantil. O bom velhinho, descobre-se logo, são os pais, os avós, os tios, e o espírito de Natal dilui-se um pouco, entre presentes e rabanadas, que se tornaram os símbolos da data. Exagero meu? Acredito que não, ao se observar a loucura de compras que invade as ruas e se intensifica nos dias pré-festas. De eletromésticos a lembrancinhas, mesmo o que não cabe no orçamento pode ser adquirido com cartão de crédito em prestações que pesarão no bolso por um bom tempo.
Interessante refletir sobre a relação que se desenvolveu entre datas comemorativas e troca de presentes, sendo estes a representação do apreço que se tem pelas pessoas, seja na ocasião do aniversário ou em outras datas, como o Natal e, mais recentemente, o dia das crianças, das mães, dos pais e dos namorados. Se quem ama presenteia, a indústria e o comércio se encarregam de suprir a demanda e, alegremente, participar, com lucro, das festividades. E mesmo que não haja afeto envolvido, é um risco tentar fugir do amigo oculto do escritório ou da vaquinha para o presente de aniversário daquele colega de trabalho que mal o cumprimenta, mesmo que o dinheiro esteja curto. Convenções sociais também pesam, lembremos as caixinhas de Natal que proliferam nessa época, dos prestadores de serviço à padaria da esquina. As gratificações já fazem parte dos gastos necessários de final de ano.
Abrir a carteira e ser mais generoso com o próximo, ou o nem tanto assim, é comportamento admirável. A sovinice é feia, e foi muito bem retratada em “Um conto de Natal”, de Charles Dickens, publicado pela primeira vez em 19 de dezembro de 1843, e que tem uma história interessante: foi escrito em menos de um mês, para pagar as dívidas de seu autor. A leve ironia da situação que levou à feitura do conto explica-se por si mesma, como em muitos outros casos de que a arte imita a vida (ou vice-versa): enquanto o personagem principal, Ebenezer Scrooge, um velho avarento e solitário, é rico, seu empregado, Bob Cratchit, é um pobre trabalhador, pai de quatro filhos que tem uma vida modesta e sem condições de comemorar o Natal. Essa história de transformação que redime teve inúmeras versões, de desenhos animados a filmes, além de servir de referência a várias obras.
A moral da história é simples: o dinheiro pode, sim, trazer felicidade a quem não o possui, pois permite uma vida mais digna, melhor alimentação e conforto. E, para quem tem demais, ele proporciona luxos que acabam em si mesmos, se não forem compartilhados com seus semelhantes. É um convite para se refletir sobre a percepção do verdadeiro valor dos bens materiais, com a diferença entre o que é necessário e o que é supérfluo, esse representado pela fortuna do velho Scrooge, que nem a usufrui, vivendo como se fosse um miserável, contentando-se em amealhá-la, como outro famoso personagem unha-de-fome, o Tio Patinhas, tão apegado ao seu rico dinheirinho que guarda a primeira moeda que ganhou na vida, amuleto cobiçado pelos vilões atrapalhados da Disney.
Não se trata de pura e simplesmente criticar o consumismo desenfreado que ataca com mais força nessa época do ano, porque, além dos presentes, há outros excessos, de comida, de bebida, em todas as inúmeras comemorações, na família, no trabalho, entre amigos, as prazerosas e aquelas obrigatórias. A proposta é de desacelerar, respirar fundo e meditar não apenas sobre o significado do Natal, mas também pelo que é verdadeiramente importante comemorar. Independentemente das crenças religiosas, o calendário convida a fazer um balanço da vida e a preparar corpo e mente para um novo ano. E, se a intenção é manifestar afeto, por que não investir em atos que o traduzam? Uma palavra gentil, atenção para alguém que dela precise, um telefonema ou outro tipo de mensagem que transmita um sinal de lembrança duram mais do que qualquer bem material. Afinal, pensando bem, por que um abraço não basta?
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