Por Marcela Picanço
É realmente muito difícil a gente abrir os olhos e perceber que as portas estão todas abertas, escancaradas na nossa frente. A gente pode escolher qualquer uma, mas é muito difícil aceitar uma mudança brusca na vida. Eu não sei se percebi isso depois que mudei de cidade e vim parar sozinha na cidade maravilhosa, que parecia mais caótica do que bonita, nas primeiras semanas. Mas, hoje, consigo entender, de uma forma que eu não entendia antes, que, realmente, podemos escolher a vida que queremos. Não, não é fácil. Não é como optar por comprar um picolé de limão ou de chocolate, não é como optar por ir a uma festa ou ficar em casa.
Mudar significa chacoalhar as nossas certezas, com nossas ideias, e olhar tudo como se fosse novo. Já tive épocas em que eu amava a rotina, outras em que eu queria deixar tudo de lado e me jogar no mundo. Joguei-me. Sem a certeza de nada e com a expectativa de ser uma escritora e atriz foda, num lugar onde todo mundo quer a mesma coisa. Não vou dizer que foi tranquilo e que não passei por noites em claro, pensando no que eu fizera da minha vida, mas, na manhã seguinte, eu sentia o cheiro do mar e achava que não poderia estar em outro lugar. Meu lugar preferido é onde eu quero estar e agora me sinto muito mais aberta para as mudanças da vida.
Acho que, se eu tivesse que me mudar pra Bogotá, São Paulo ou Japão, eu não teria problema. (Tá, Bogotá talvez não). Já me mudei antes, já sei que no final dá certo. Já morei sozinha, já passei aperto, conheci gente chata e pessoas que atravessaram minha vida e me causaram um tsunami mental. Eu sempre gostei muito gente. Dos gostos, das opiniões, das histórias. Confesso que também tenho muita preguiça de gente com discurso raso, mas já parei para ouvi-las e eram pessoas com um coração enorme, apesar da cabeça pequena. É muito difícil não julgar e mais difícil ainda quando a gente julga e quebra a cara. Mas acho que viver é se surpreender e, para se surpreender, é preciso se dar chances. Para os outros e para você mesmo. Eu tento sempre me dar uma segunda chance.
Muitas vezes, para que haja mudança, é preciso que aconteça alguma coisa que nos tire da zona de conforto. Uma morte, término de relacionamento, uma briga ou uma demissão. E ,quando isso acontece, é muito mais difícil perceber que as outras portas ainda estão abertas. Parece que o mundo inteiro se fechou pra você. Só existe a sua janela aberta, olhando para as pessoas do prédio da frente, cheias de vidas, de expectativas com o futuro. Parece que o mundo acabou ali.
A gente vai voltando aos poucos, ou às vezes dá um estalo e a gente muda o rumo das coisas. Eu sempre gostei de mudar o rumo das coisas. Quantas coisas falei que nunca faria e fiz. Subir num palco e interpretar um personagem? Nossa, pensei que jamais faria isso. Eu tinha medo até de ler um parágrafo na sala de aula da escola. Tinha muito medo de mim. Até que eu resolvi ir testando essas portas que estão sempre abertas para a gente. Algumas deram certo, outras eu preferia não ter aberto. Mas eu nunca saberia, se eu não tivesse tentando.
Acho que dar errado é tão bom quanto dar certo, porque, no final, a gente sempre leva alguma coisa de bom. E, quanto mais portas abrimos, mais percebemos que existem outras portas abertas e outras se abrem como uma dimensão infinita. E como eu gosto desse frio na barriga, do medo da mudança, de saber que eu sou livre, completamente livre para ser o que e quem eu quiser. Sim, sim, eu sei que isso terá consequências. Mas, depois de abrir algumas portas por escolha sua, você passa a aceitar as consequências de forma mais branda. Os resultados serão um problema seu e de quem gosta muito de você, que vai encarar essas consequências também, sempre. (Ainda bem que essas pessoas existem). Sei que vão falar, um milhão de vezes: “Não! O que você está fazendo com a sua vida?” A única coisa que eu sei é que eu sei exatamente o que eu estou fazendo da minha vida. Eu estou vivendo. Porque eu não quero nunca achar que é tarde demais para abrir e atravessar outra porta.
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