Pra que complicar? Vamos logo ao “amai-vos uns aos outros”.

Há pessoas que provocam amor nas outras. Já viu? Elas estão por aí, resistindo. Conspirando. Em meio a tanto espírito de porco arrumando briga, plantando cizânia, caçando enguiço, tem gente que desperta bons sentimentos nos outros. Gente que, em vez de criar encrenca, inventa um jeito de construir afeto, gerar ternura, produzir beleza, desarrumar a cara feia do mundo.

Essa gente tem o cuidado de se importar com os outros. No bom sentido. Acha que “se importar” não é seguir o manual de instruções alheio, amarrar-se às expectativas de quem está por perto. Tampouco é querer agradar a todos ou caminhar como piolhos pela cabeça dos outros. Esse é o mau sentido da expressão. Quem se importa no bom sentido é o sujeito que tenta, com toda ousadia que lhe cabe, dar um jeito nas coisas.

São aqueles que ainda dizem “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, “com licença”, “por favor”, “obrigado”. Aqueles que pedem desculpas quando necessário, oferecem e agradecem mais do que solicitam. Pessoas que doam seu tempo para fazer o do outro melhor e, sem querer, transformam o seu próprio prazo de validade na vida em uma aventura bela, honesta e emocionante. Gente que não precisa ser alegre a todo instante, que conhece a tristeza e acredita que felicidade se constrói com trabalho e empenho em nosso dia depois do outro.

Provocam amor nas pessoas aqueles que sabem fazer silêncio em meio a tanto barulho. Que telefonam aos seus não só quando é aniversário, mas que também quase nunca esquecem as datas importantes. Gente que compartilha textos nas redes sociais depois de fazer um pequeno esforço para verificar e incluir o nome dos autores nas postagens, caso alguém queira saber mais sobre eles. Gente que, nas academias de ginástica, limpa os aparelhos depois de usá-los. Cidadãos que, nas praças de alimentação dos shoppings, recolhem suas próprias bandejas depois da refeição e as levam até o lixo, em vez de esperar as moças da limpeza fazerem esse trabalho por elas.

Essas almas provocam amor nas outras. Porque são tomadas de atitudes amorosas. Um ser humano nesse estado é voluntarioso, disposto ao trabalho, afeito a atitudes generosas. Que venham os problemas. Soltem as feras, tragam as cobras cuspindo veneno. Libertem os enxames de mamangavas! Quem tem amor encara tudo sem medo de nada.

A educação, a vontade de ajudar, os bons modos, a honestidade, a gentileza, o respeito e todos os outros nomes do amor resistem dentro delas, convivem em festa e vivem escorregando para fora. Espirram em nossa cara pálida de transeuntes que passam com pressa, andando para lá e para cá, correndo para cima e para baixo, alheios e tocados de pânico, ora buscando, ora fugindo.

Atônitos, passamos rápido como trens que não saem dos trilhos e não olham dos lados. Atropelamos o que vier ià frente. Então vêm as pessoas que provocam amor, nos jogam nos braços um sentimento poderoso, sob a forma de um gesto simples, e detêm nosso trote desesperado. Com força, firmeza e doçura, descem da superfície e nos chegam ao fundo dos olhos.

Vira e mexe, um raminho verde e frágil dá a cara tímida rumo ao céu e ao sol por entre as rachaduras do asfalto duro de nossos dias, aproveita o vacilo dos maldosos e escapa pelos flancos, como os sorrisos que fogem de uma cara carrancuda. Saem feito passarinhos de gaiolas enferrujadas, deixando para trás a dor, o claustro e o sofrimento. Graças àqueles que provocam amor na gente. De repente alguém sorri. E o faz porque outro alguém arrancou-lhe de seu lá dentro um riso leve, trancafiado e esquecido sabe Deus desde quando.

Procure. Em algum lugar ao seu redor, um ser tomado de ousadia está tramando um carinho. Desaforado que só, está fugindo à regra dos mal amados, fazendo uma gentileza a um desconhecido. Olhe ao redor. Tem alguém querendo provocar amor em você. Revide. Devolva. Responda com afeto. Dá trabalho. Mas é o que nos cabe. Odiar é fácil. Difícil é provocar amor na gente.







Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.