Psicologia e comportamento

Precisamos falar mais sobre a AIDS com os adolescentes

Brasil é exemplo mundial no tratamento à doença oferecido pelo SUS, mas deixa a desejar quando o assunto é prevenção, sobretudo, em relação aos jovens.

Nasci em 86, quando minha mãe gostava horrores de Cazuza. Quando cresci e me interessei pelo cantor, ela passou a compartilhar comigo as músicas, as histórias do artista, as imagens que guardava dele enquanto vivo. Inevitavelmente, falava sobre a Aids e sobre as perdas dos anos 80 e 90.

Cantores, atores, modelos — muitas eram as figuras públicas atingidas pelo vírus com vidas expostas à mídia e ao conhecimento público. De uma certa forma, foram pessoas que, com suas mortes, comoveram e inibiram uma série de jovens e adultos, fazendo com que pensassem mais em proteção, em controle de exames, em relação sexual e em escolha de parceiro(s). A questão parecia bem próxima de qualquer um. O assunto era bastante comentado e muitas pessoas tinham um real medo de definhar até a morte em pleno início de vida adulta.

Depois de um tempo, com uma série de estudos, de avanço científico e de políticas de conscientização, o Brasil, felizmente, conseguiu diminuir e controlar o problema no país, dando também maior amparo aos infectados. O país é, hoje, reconhecido pelo tratamento disponibilizado pelo SUS a muitos cidadãos portadores. É exemplo quando o assunto é tratamento. Com essa diminuição e com a passagem do tempo, emergiu um novo desafio: voltar a conscientizar os jovens de que a questão é grave e demanda atenção contínua.

O assunto só passou a ser lembrado, de tempo em tempo, por parte significativa da população, em períodos festivos como o carnaval, o que, convenhamos: é muito pouco. Houve um pouco de visibilidade também a partir de algumas novelas que tinham, muitas vezes, o intuito de diminuir o preconceito em relação a pessoas que possuem essa condição de vida. Esse objetivo é muitíssimo importante, mas há muito jovens substituem novelas por outros tipos de entretenimento (que, muitas vezes, também estimulam a liberdade sexual sem a reflexão e os cuidados necessários).

Diálogo em casa? Isso seria fundamental, mas o assunto, em século XXI, ainda é “tabu”, e muitos pais continuam com a visão ingênua de que, assim que seus filhos apresentarem um “comportamento de iniciação sexual”, eles descobrirão a tempo de ter “um papo” isolado sobre sexualidade e prevenção, tema nunca abordado anteriormente e que, provavelmente, deixará todas as partes envolvidas diante de um constrangimento esquisito.

Somado a isso, em parte considerável das escolas brasileiras, esse tema é abordado pelo professor de Ciências/Biologia, às vezes, de modo técnico e distante da realidade do aluno que, envergonhado, não pergunta, não questiona, não se envolve: apenas repassa o que ouviu em uma prova. Se a escola for conservadora, o assunto é ainda mais tolido (pela direção e pelos pais). Se o discente não tiver iniciado sua vida sexual então, aí mesmo que não se envolve com a temática — deixa para compreender isso tudo depois.

Não é preciso sermos espertos para perceber que, com essa falta de diálogo, com essa ausência de orientação, sem exemplos marcantes de perda, com portadores “invisíveis” e com uma liberdade sexual (hiper estimulada pelo pornô online free, pelo uso de alguns aplicativos, entre outros), a aids voltaria a aparecer entre os jovens brasileiros – mais cedo ou mais tarde.

Parece que, para eles, a questão — embora séria — está distante, não gerando a preocupação de antes. À medida que cresce o número de meninas utilizando pílulas cada vez mais cedo, aumenta também a ideia de que nada demais pode acontecer — além de vídeos — nas transas em festas ou em “pré-nights” na casa dos amigos. O importante, na cabeça de muitos jovens ainda imaturos e sem experiência de vida, é não engravidar e não ser pego de surpresa (às vezes, nem isso).

Com esse pensamento (entre muitos outros fatores), a aids realmente volta a ser preocupante no Brasil. Enquanto o número diminuiu significativamente em diversos lugares do mundo, aqui surgem novos e pouco divulgados dados de aumento em uma faixa etária jovem.
Parece que estamos esperando novos Cazuzas para reforçar a ideia e para voltar a trabalhar o tema com mais seriedade em todos os meios possíveis.

Isso não é nada bom.

Sobre a autora:

Talita Rosetti nascida  em Niterói, cidade do Rio de Janeiro. Atua como professora de Redação e é Mestre em Estudos de Linguagem pela PUC-Rio. Atualmente, pesquisa sobre linguística aplicada à ciências da educação. Acredita que o processo de ensino-aprendizado pode e deve ser refletido e aprimorado, de forma contínua, não só pelos profissionais da educação, mas pelos demais membros da sociedade.

Imagem de capa: George Rudy/shutterstock

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