Prefiro pessoas cruamente humanas à pacotes de encantamento

Uma certa luz entrou pelas frestas do meu corpo e começou, silenciosamente, a retirar as sombras de ilusões que em mim sempre fizeram morada.

Este é um momento em que a gente começa sutilmente a não confundir mais tanto o nosso verdadeiro eu com as nossas projeções e idealizações. É quando a gente começa a ver além e aquém das necessidades inventadas e ensinadas. Que começamos a não cair em tantos dramas pessoais, em conflitos e dualidades, porque começamos a entender o que é ilusão e o que é amor e onde eles moram dentro da gente e como são acessados e que energia despertam.

E começamos a escolher o que nos faz realmente bem e não mais as caixas encantadas de fogos de artifício que explodem rapidamente na nossa alma e depois se dissipam no céu das possibilidades infinitas.

A gente começa a preferir conviver e a perceber as pessoas mais integras do que aquelas que trazem pacotes de encantamento.

Não precisamos mais passar horas pensando em qual sonho se encaixa mais nas nossas projeções futuras, ou na vida ideal que queremos ter.
Já não medimos mais racionalmente o aceitável e o inaceitável. Rasgamos as listas das nossas prioridades mundanas. Deixamos de acreditar em tudo o que vemos para acreditar no sentir. Deixamos de ouvir e nos abalar por tantas falas para que o silêncio ganhe espaço. Deixamos de dar tanto peso às verdades ditas em voz alta e nos sentimos mais atraídos por pessoas e estilos de vida mais coerentes com a nossa natureza humana.

Porque as ilusões tendem a ser lindas, mas muitas vezes também desconfortáveis (mesmo quando a gente já está muito condicionado a andar de salto alto, hora ou outra , ilusões voltam a apertar nossos calos inconscientes).

Então a gente entra numa outra sutil energia de querer apenas decidir o dia de hoje, e isso é a maior glória.

A gente percebe que felicidade é uma construção bem mais simples do que as complexas pirâmides de sonhos em que nascemos imersos.
Começamos a querer ficar perto de pessoas que não têm medo ou vergonha de despirem a alma. Que têm coragem de se acessar mesmo que isso possa quebrar estruturas sociais.

Aprendemos que nenhuma situação e ninguém vai salvar nossas vidas e que o único jeito de fazer isso é abrindo-nos para a nossa verdade mais íntima.

Começamos, nós mesmos, a não mais vestir tantas fantasias porque não queremos atrair pessoas e histórias pela nossa falsas cascas, posturas, status… Desmontar todos esses ruídos de encantamento leva tempo, é mais fácil caminhar sendo o mais simples de você e assim filtrar, estar perto, desde o início, do que interessa.

A vida é muito curta pra gente viver entrando e saindo de salões de máscaras de egos encontrando egos.

E mesmo que a gente já saiba ter a fantasia mais bonita da noite, a gente deveria escolher andar nu, vestido da própria pele – frágil, livre, segura e cheia de si. Dançando na vibração de poder estar aqui e agora em plenitude.

Imagem de capa:Miramiska/shutterstock

Clara Baccarin

Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 3 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresária... Hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem três livros publicados: o romance ‘Castelos Tropicais’, a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’, e o livro de crônicas ‘Vibração e Descompasso’. Além disso, 13 de seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’.

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