Sempre fui do tipo que tem horror a lugares fechados. A sensação de que vai me faltar o ar é assustadora. Talvez isso se deva ao fato de que sempre tive asma e convivi com a escassez de oxigênio por toda minha infância e boa parte da vida adulta.
Pouco espaço e pouca ventilação são verdadeiros causadores de pânico para mim. E o auge deste pânico aconteceu há sete anos, quando fiquei presa no elevador com nada menos do que oito pessoas.
Ficamos lá curtindo nosso desespero durante quase meia hora. Era carnaval e todos estavam ocupadíssimos em suas folias. Não havia viva alma no prédio. De repente, do nada, alguém ouviu nossos gritos de socorro.
Os poucos minutos que nos separavam da liberdade pareciam horas intermináveis. Eu não aguentava mais dividir o oxigênio daquela caixa com os outros sete presos. Precisava de ar fresco. Precisava de rua. Quando, finalmente, conseguimos sair, jurei para mim mesma que nunca mais vivenciaria algo parecido.
Acontece que nunca mais é muito tempo. Mal sabia eu o que a vida me reservava. Ficar presa no elevador é luxo perto dos desconfortos da radioterapia, quando feita na região do rosto e cabeça. A pessoa precisa ficar totalmente imóvel para que as ondas emitidas atinjam o lugar exato. Qualquer movimento, até mesmo involuntário, pode colocar tudo a perder. Então, uma máscara com o molde do rosto do paciente é presa à face e à maca, a fim de conter os possíveis movimentos da cabeça.
No meu caso, havia ainda um objeto inserido na boca para mantê-la aberta durante a sessão. Só isso já seria motivo de pânico para mim, mas havia ainda um detalhe: minha língua havia ficado mais curta após a cirurgia e eu engasgava com muita facilidade. Então, como eu haveria de ficar deitada com a cabeça reta e imóvel e ainda administrar o abridor de boca e a sensação de sufoco da máscara?
Na primeira sessão, antes de deitar e permitir que me prendessem à maca, sentei e chorei. Era um choro de puro medo. Me apavorava a ideia de engasgar com a saliva e não poder sequer virar a cabeça. Havia também as secreções nasais que descem garganta abaixo quando se deita daquela forma. E se eu não fosse capaz de dar conta? Se não conseguisse engolir tudo que meu corpo produzia? Será que eu seria capaz de arrancar sozinha aquela máscara, sentar e respirar aliviada?
Aos poucos, as pessoas foram me explicando que, embora não houvesse ninguém na sala comigo, eu estaria sendo monitorada pelas câmeras. Ao menor sinal de engasgo, eu deveria erguer a mão que alguém viria me socorrer em poucos segundos. Era possível interromper a sessão e depois continuar de onde foi parado. Saber disso foi acalentador.
Saber que as vinte e cinco sessões de radioterapia reduziriam, consideravelmente, a chance do tumor voltar foi incentivador. Porém, o que me fez deitar, de uma vez por todas, naquela maca e deixar que me prendessem foi a imagem do meu filho, na época com dois anos. Era por ele que eu precisava passar por aquilo tudo. Era para continuar no mundo e vê-lo crescer que eu tinha que me render. Eu não podia me dar ao luxo de escolher. Uma mãe não pode se dar ao luxo de morrer.
Saí da primeira sessão com o rosto marcado pelos furos da máscara. Notei que, ao contrário do que dizia no papel, a sessão não demorava vinte minutos. Eram, no máximo, dez. A partir da segunda sessão, comecei a driblar a tensão com meus pensamentos. Eu procurava pensar no que faria mais tarde quando saísse dali ou no que meu filho estaria fazendo enquanto eu, bravamente, lutava para ficar com ele.
Essa estratégia deu tão certo que, na quinta sessão, nem notei quando tudo acabou. Estava perdida em meus pensamentos quando a porta se abriu. Naquele exato momento, percebi quem é que estava no controle da situação. A máquina, a máscara, a maca e toda essa prisão estavam ali para me servir. Aquele conjunto claustrofóbico estava à minha disposição para me ajudar. Eu era a grande beneficiada. Dependia de mim, encarar da melhor forma possível essa etapa que, como tudo na vida, também ia passar.
Iniciei a contagem regressiva dos dias. Fui riscando, um a um, do meu calendário. O auge do tratamento se deu no final do ano. Passei o pior e o melhor Natal da minha vida. O pior, porque quase não conseguia comer. Não sentia mais o sabor dos alimentos e minha boca estava cheia de feridas. O melhor, porque acabara de escapar da morte.
É como se tivesse recebido uma nova chance de viver. Eu sabia que o paladar voltaria um mês depois da radio. Eu sabia que as feridas não seriam eternas. Então, percebi que era necessário passar um Natal sofrido para poder ter muitos outros alegres. Por muito pouco, eu poderia ter perdido todos os Natais, então, eu devia mesmo tratar de ser grata e não ficar me achando a mais coitada das criaturas.
Coitado é quem não tem mais chance de lutar pela vida. Eu, ao contrário, estava prestes a sair daquela prisão e curtir minha mais nova vida na certeza de que fui abençoada.
Durante todo o tempo em que estive lutando contra a doença, fui prisioneira de mim mesma. O câncer me deu um foco, me ensinou o verdadeiro significado de amor próprio, que nada tem a ver com a vaidade a que eu estava habituada. O câncer me deu condições de respeitar meus limites e de me colocar, pela primeira vez , no topo das prioridades.
Ele me fez lidar com medos aterrorizantes e encontrar maneiras de suportá-los e até vencê-los. O câncer me aproximou da morte. Hoje sei que ela está sempre atenta. Mas eu estou mais. Estou atenta ao que realmente tem valor para mim. Estou atenta ao que eu preciso para ser feliz a cada novo dia. Aprendi a me ouvir. Aprendi a me permitir. Através de um câncer, tive o prazer de me conhecer.
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