Josie Conti

Pseudo-intelectuais e sua incontrolável atração por “teorias psicodélicas”

Pseudo -intelectuais são pessoas que mascaram a sua ignorância escondidas atrás de citações de pessoas célebres, títulos acadêmicos ou excesso de cursos que precisam mencionar o tempo todo, principalmente se o curso tiver acontecido no exterior. Nesse caso também pagam para publicar sobre o curso no jornal local quando voltam. Elas emprestam teorias para si mesmas para que sua fala seja ligada a “algo maior” e de “credibilidade, mas não são capazes de compreendê-las por completo, logo, descrevem-nas de maneira rasa e superficial. Para o nosso azar, entretanto, costumam ser pessoas prolixas e que falam por muito tempo sobre o tema. Penso que estão, ora tentando convercer o interlecutor (ou vencê-lo pelo cansaço), ora tentando convercer a si mesmas. Ou seja, os pseudo-intelectuais possuem baixa compreensão e limitada capacidade de síntese ao mesmo tempo, uma vez que eles mesmos não entendem a essência do que falam. Na maioria das vezes, para a tragédia de quem os cerca, apenas reproduzem chavões que aprenderam e conseguiram decorar para usar como um “verniz científico” que possa impressionar aos leigos.

Assim, seguindo com as explicacões e levando em consideração que vivemos em uma época de rápida reação e baixíssima abstração também é bom deixar claro que o termo “teorias psicodélicas“, utilizado no título, é apenas uma figura de linguagem que indica  IRONIA. Ou seja, nesse sentido, as tais “teorias psicodélicas” são aquelas em que não encontramos embasamento científico sério ou, mesmo que sejam teorias sérias, sofrem deturpações dos pseudo-intelectuais que as usam de maneira fragmentada e equivocada. Logo, seguindo o raciocínio de maneira ironica, quem entende do assunto discorrido pelo pseudo-intelectual, questiona-se se a pessoa está influenciada por entorpecentes, tamanha a bizarrice e falta de contexto do assunto em questão. No fundo, ao ouvirmos, aquilo nos gera desconforto porque gostaríamos de rir pensando que aquilo poderia ser uma piada, mas vemos que a fala é “séria” (entre muitas aspas) e isso faz soar nosso alarme detector de “gurus” da autoajuda, o que torna o assunto assustadoramente perigoso porque ele passa a carregar o viés charlatonista que prejudica seriamente terceiros. E é nessa hora que mesmo o sorriso mais deliciosamente irônico que gostaríamos de expressar morre de “overdose de realidade” antes de nascer.

Para ilustrar, trago um “causo” que tive a infelicidade de presenciar na semana passada e que pode servir de alerta para pessoas que passam por situações similares.

Tudo começou quando uma criança de 10 anos, que estuda em uma escola particular de cidade do interior,  relatou para a família que tinha sido chamada para falar com a “diretora” no dia anterior, mas que estava se sentindo muito desconfortável porque teve a sensação de que sua intimidade havia sito invadida. (O desconforto da criança era evidente e ia além do medo de ter sido chamada ou de ter levado uma bronca).

Nesse ponto é importante salientar que a criança foi chamada, pois realmente vem apresentando dificuldades de ajustamento na escola. Ela apresenta um quadro depressivo-ansioso, tem um histórico familiar conturnado, passou por eventos traumáticos importantes e está sob tratamento psicológico e psiquiátrico. Em seu comportamento fica claro que ela tenta encontrar constantemente novas formas de chamar a atenção para sua dor. Ela tem sentimentos de menos valia e muita raiva de si mesma. Logo, por sentir que não tem valor, na minha opinião, ela age de forma inapropriada pra ser punida e confirmar para si mesma que ela não é uma boa criança.

Quando a criança foi questionada pela família sobre os detalhes da conversa que teve com a “diretora”, ficou óbvio que a intervenção da “profissional” gerou ansiedade e medo na criança, uma vez que ela nunca tinha sido chamada para falar com essa pessoa. Isso, entretanto, não seria exatamente um problema se a profissional não tivesse feito intervenções diretas com a criança, inclusive pedindo para que ela repetisse frases como “eu não preciso seguir os caminhos da minha mãe” “os problemas da minha mãe são da minha mãe, os problemas do meu pai são do meu pai. Eu não preciso seguir os caminhos dos meus pais.” (sic). Mas, nesse ponto, eu também não questionaria o método de tratamento, caso a profissional já tivesse um vínculo de confiança e um trabalho prévio que permitisse o uso de práticas assim. Só que, na prática, nós sabemos que ser chamada para “conversar” na escola deixa a criança acuada e, no mínimo, na defensiva. Então, pergunto, seria a hora de intervir com falas desse tipo?

Ah, e ela também teria ouvido da profissional “mantenedora” que pessoas do “conselho tutelar” a viram na quadra do bairro da casa dela e tinham ido comentar na escola, fala que também assustou a criança, uma vez que ela frequentava a “quadra do bairro” com autorização da família, acompanhada de vizinhos de confiança e, inclusive, tinha melhorado significativamente os sintomas depressivos após começar a “jogar futebol” com essas crianças. Para concluir, a criança disse que , no final da conversa, a profissional falou para ela que ela trabalha nessa escola por amor, mas que atende crianças em outro prédio e que  costuma cobrar por esse tipo de atendimentoque custaria 240 reais, e ainda teria completado a fala perguntando  a criança se ela gostaria de levar o seu cartão. – informações reproduzidas do relato da criança.

Tendo em vista, então, a problemática de tudo o que foi ouvido, foi solicitada um reunião para saber o que tinha realmente acontecido com a criança nessa intervenção do dia anterior, quais eram exatamente os problemas que a criança tinha apresentado com os professores e colegas e que risco ela corria na quadra do barro, a ponto de ser confrontada com falas de “conselho tutelar”.

Na reunião, que durou mais de duas horas, a “mantenedora da escola” (maneira como a profissional pede para ser chamada pelos funcionários, mesmo não sendo mantenedora e sim a proprietária da escola que cobra mensalidades e que, na prática, é mantida pela escola e não a mantém com recursos próprios) discorreu sobre as queixas trazidas pelos professores e pais.

As queixas seriam de que a criança vinha apresentando comportamento desrespeitoso com alguns professores e que, há alguns dias, durante brincadeiras com as amigas, ela teria feito brincadeiras com “tapas no bumbum” de nos “seios” de suas colegas. Os professores estavam se queixando e, pelo que foi possível entender, os pais de duas das amigas tinham feito reclamações.

A “mantenedora da escola”, então, seguiu contando que entrou em contato com a mãe da criança no dia anterior a conversa com a criança para alertar sobre os problemas com a criança e avisar que a chamaria, mas pediu que a mãe não falasse nada com ninguém até que ela conversasse com a menina. Assim, ela chamou a criança para conversar em sua sala.

Assim, ouvindo a profissional, vi que ela procurou a criança para entender o que estava acontecendo e tentar orientá-la. Segundo a profissional, devido a gravidade das coisas que ela ouviu da criança, ela sentiu na necessidade de fazer as intervenções. (Ok, eu posso entender isso)

Mas, então, ela começou a dizer que é importante que a criança compreenda que pai e mãe têm seus próprios problemas e que esses problemas são só deles, que ela não precisa “pegar esses problemas para ela.” Ok, eu não concordo, mas posso também posso tentar entender que a profissional tenha essa linha de pensamento. O que me chocou, entretanto, foi ela dizer que ela acredita que deve ser trabalhado com a criança a ideia da gratidão pela vida que ela recebeu dos pais, uma vez que:

“SE O PAI DOOU O ESPERMA, A MÃE ESCOLHEU NÃO ABORTAR. E, só o fato de ter ganhado a vida, já é motivo de gratidão.”- (sic da profissional)

Eu, confesso, achei isso MUITO ESTRANHO, mas também tentei entender, vai que era a maneira dela se expressar, né. Mas, não feliz, ela repetiu essa frase inúmeras vezes.

E tudo seguiu nessa linha que, ora parecia bem intencionada e com momentos de coerência e lucidez, ora parecia completamente equivocada, mas que at me ajudou a pensar em alguns aspectos bons para a criança.

Durante a reunião eu também questionei a profissional sobre quais eram suas formações (eu queria entender a lógica das intervenções que ela tinha feito com a criança). Ela, então, discorreu por longo tempo falando de graduação na área da pedagogia, formação em psicanálise, mestrado em algo relacionado a orientação sexual para crianças e, se eu entendi bem, um outro curso de psicanálise sistêmica feito no exterior, por 21 dias. Talvez ela tenha dito que isso foi um doutorado, confesso que não sei bem. Ainda ouvi coisas ligadas a hipnoterapia e outras páginas ligadas a relações sistêmicas. Bem, foi o que eu consegui assimilar com a ajuda dela mesma, uma vez que no final da conversa ela passou mais uns 20 minutos repetindo todos os seus títulos e contanto histórias emocionais sobre experiência que teve com o próprio pai.

Eu saí da reunião pensando que, uma vez que eu já tinha deixado claro que não gostaria que a criança sofresse intervenções terapêuticas, pois ela já estava em acompanhamento especializado, ainda haveria possibilidade de abstrair tudo de estranho que eu havia escutado e seguir em parceria com a escola. Confesso que eu ainda estava em processamento todo aquele mix de frases feitas, principalmente da história da criança ser grata por a mãe não tê-la abortado!

Ah, e com relação ao assunto da quadra, ela não tinha absolutamente nenhum comentário concreto a fazer sobre que tipo de risco a criança estava correndo ao frequentá-la. Mas, pelo que eu entendi, os pais de uma das alunas com quem ela tinha tido o “problema de toque”, tinham ido a escola “muito preocupados” para dizer que ela estava frequentando a quadra.

Mas eu ainda estava otimista e pensei, mesmo frente a posições que vão totalmente contra o que eu acredito como profissional, talvez fosse melhor que a criança tivesse a oportunidade de seguir e ter a oportunidade de ajustamento e reparação com as amigas que se sentiram ofendidas pelas brincadeiras. Ela, inclusive, já tinha se desculpado e falado até mesmo com a mãe de uma das duas colegas explicando que não tinha tido má intenção, que era só uma brincadeira, e que não faria mais.

No dia seguinte, para minha total consternação, vi que a criança foi separada de turma de  todas as amigas meninas (os alunos estão em duas turmas diferentes por causa da pandemia). Já no dia posterior ao dia seguinte, havia uma menina na lista, mas era justamente a menina que tinha informado a escola que não iria às aulas por 15 dias. Então, ao meu ver e tendo em vista que a divisão da turma deixou de ser em número igualitário como tinha sido até então, havia sido uma mudança intencional para que houvesse a separação das crianças. Intenção da escola? Pedido dos pais? Não sei.

Seja como for a criança tinha sido punida quando mais precisava de ajuda e ainda tinha lhe sido negada a oportunidade de reparação.

E eu fiquei perguntando onde estava a postura da profissional que se gabava do mestrado na área de orientação sexual para crianças mas que,  frente a um evento nada anormal de toque durante brincadeiras (ou será que ela é a única criança do mundo que já brincou disso?), tinha optado por segregar a menina do contato com os colegas como se ela tivesse cometido um crime? Não seria o caso de explicar melhor os limites e observar se ela respeitava, uma vez que isso nunca tinha acontecido? Que mensagem todas as meninas receberam com isso?

A mim ficou a impressão de um puritanismo e de uma censura punitiva para com a sexualidade incipiente dessas crianças? Na cabeça de quem exatamente estava toda a maldade atribuída à criança?

No fim das contas, minha única conclusão possível até o momento (porque ainda estou pensando no quanto tudo aquilo foi perturbador) é que o discurso de “separar os problemas  dos pais dos  problemas da criança” -e ainda estimular gratidão para com quem a criança ainda nem teve a chance de trabalhar nem a rejeição e nem dor- é algo presente na cultura dessa escola: separe os problemas, segregue a criança, não resolva o conflito, demonstre “preconceito” classista com a criança que frequenta a quadra do bairro com outras crianças que não são da “escola particular” (se não há argumento real de risco, só vejo preconceito). E, o mais delicado, não trabalhe a sexualidade natural da criança. (APENAS VEJA O LADO BOM DE NÃO TER SIDO ABORTADA E AGRADEÇA!).

E, finalmente, se a criança apresenta problemas: separe-a de sua turma e de seus afetos mais próximos! Ensine a criança que ela não merece perdão e que ela vale menos, confirme seus medos mais íntimos de não ser amada. 

Bem, é claro que a criança não ficará nessa escola. Após as provas ela não voltará porque a família compreendeu que, nesse lugar, uma criança que não está “dentro da caixinha” moral ideal é considerada um estorvo e oferece muito risco aos seus pares.

Mas, o que me entristece mesmo é saber que as outras crianças ficarão e, mediante problemas, também sofrerão preconceito e exclusão de quem mais as deveria proteger.

Pseudo-intelectuais são muito perigosos e, principalmente na área escolar privada onde são mascarados pelas dezenas de cursos que apresentam como um escudo de uma suposta “modernidade tecnica”, apenas se escondem para justificar seus pensamentos medievais e problemas, preconceitos e questões pessoais mal resolvidas. Cuidado com eles.

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Imagem de capa reprodução Uol

 

Josie Conti

JOSIE CONTI é psicóloga com enfoque em psicoterapia online, idealizadora, administradora e responsável editorial do site CONTI outra e de suas redes sociais. Sua empresa ainda faz a gestão de sites como A Soma de Todos os Afetos e Psicologias do Brasil. Contato para Atendimento Psicoterápico Online com Josie Conti pelo WhatsApp: (55) 19 9 9950 6332

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