Ana Macarini

“Puxa vida, mas ela tem um rosto tão bonito, né?”

Não é de hoje que as mulheres compram essa conta de viver em busca de uma aparência física que agrade. Mas que agrade a quem? À si mesmas, aos parceiros ou parceiras, às outras mulheres?

Os padrões de beleza são fenômenos culturais, por trás dos quais imperam aspectos de toda natureza. E são muito mais perigosos do que podem parecer.

A indústria farmacêutica fatura bilhões com a venda de medicamentos que prometem o acesso a um corpo mais magro. São pílulas, gotinhas ou cápsulas, algumas vezes tão inofensivas quanto inúteis; mas que, em outros casos, podem causar danos severos ao organismo e à saúde psíquica.

Essas drogas que prometem o corpo dos sonhos são muito variadas: homeopatia, terapia ortomolecular, fitoterapia, enzimas, sementes, óleos, produtos químicos injetáveis e até, antidepressivos e remédios para tratar Déficit de Atenção. Parece haver uma espécie de “vale tudo” na guerra contra a balança.

O mais preocupante é que a própria indústria farmacêutica, que viu conveniência em vetar a venda de medicamentos para controle de peso no Brasil, cria inúmeros atalhos para colocar no mercado esses milagres químicos que podem ser adquiridos sem receita médica, sem nenhum controle terapêutico, sem qualquer supervisão profissional e, quase sempre, a preços nada módicos.

E os medicamentos não estão sozinhos nessa saga. Basta fazer uma busca rápida na Web para encontrar um incontável acervo de sites, blogs e aplicativos com métodos “inovadores” e tentadores que prometem um “corpo perfeito”, num prazo de pouquíssimos dias. Tem de tudo um pouco: blogueiras que juram que é saudável ingerir proteínas gordurosas desde o café da manhã até a ceia noturna; personal trainers que garantem uma barriga negativa (sim, isso existe!); com apenas alguns minutos de exercícios físicos específicos por dia; e, até, musas fit que postam mínimos detalhes de seu dia-a-dia, numa exposição que mais parece um reality show com direito a receitas mágicas para ter uma silhueta invejável.

E é claro que cabe aqui uma reflexão básica acerca da autonomia de escolha, afinal de contas, a pessoa baixa o aplicativo porque quer, acessa o blog ou o site porque quer, fica aficionado por um corpo cada vez mais magro porque quer. Será mesmo?

Os transtornos alimentares representam um conjunto de doenças extremamente perigosas e letais, inclusive. Meninas de 10 anos, vêm engrossando o grupo de seres do sexo feminino, vítimas de anorexia, bulimia nervosa e compulsão alimentar. Esse fenômeno atinge, em sua esmagadora maioria, meninas, moças e mulheres. Não que os homens estejam à salvo desse tormento. Mas as mulheres são o alvo mais frequente. Em ambos os casos, os transtornos estão chegando cada vez mais cedo, em idades precoces e altamente vulneráveis, como a pré-adolescência. E, neste caso, não há autonomia de escolha.

Os transtornos alimentares envolvem comportamentos distorcidos em relação à ingestão de comida, o que pode tanto levar ao emagrecimento extremo, quanto ao ganho de peso descontrolado, a depender da desordem comportamental de cada indivíduo.

A Anorexia Nervosa, por exemplo, compromete de tal a forma a relação do indivíduo com seu corpo e com o que ele ingere, a ponto de privá-lo da capacidade de enxergar com clareza a sua imagem no espelho. O anoréxico, sempre vai ver no seu reflexo uma pessoa gorda, desproporcional ou inadequada; sempre vai acreditar que precisa perder mais e mais peso. A anorexia, é caracterizada pela ingestão cada vez mais exígua de alimentos e pela preocupação em ingerir apenas alimentos pouco ou nada calóricos. A falta de diagnóstico, de atendimento médico e psicológico, leva a casos graves de desnutrição e até à morte.

Já a bulimia, cria nos indivíduos um comportamento compulsivo, tanto para a ingestão de comida em grande quantidade e num curto espaço de tempo, quanto para métodos de expulsão dessa comida. Os bulímicos provocam o vômito, usam de forma indiscriminada, laxantes e diuréticos, fazem exercícios físicos em excesso, tudo isso para ter certeza de que não se deixou vestígios do crime. O crime para os bulímicos é não ser capaz de parar com esse círculo de automutilação por meio da ingestão e repulsão de alimentos. Essa patologia traz ainda um agravante: além dos severos prejuízos orgânicos, as vítimas da bulimia vivem carregando um enorme peso nas costas por seu comportamento; sentem-se culpados e vão se especializando em ocultar seu transtorno alimentar de amigos e familiares.

Não menos grave é o transtorno do comer compulsivo, que também faz parte de uma deformação da auto-imagem. Esse transtorno é caracterizado por episódios em que os indivíduos perdem o controle e são acometidos por uma necessidade irracional de ingerir grandes quantidades de alimento, com alto valor calórico e em um curto espaço de tempo.

Os compulsivos, em geral, alimentam-se de forma comedida em público, pois costumam sentir-se envergonhados de seu corpo, e por isso, comem escondidos, quando estão sozinhos em casa ou na rua. Comer compulsivamente envolve muitas vezes episódios de culpa e depressão, após os eventos de ingestão exagerada de comida. Os compulsivos sofrem demais porque sentem-se incompetentes para controlar um comportamento que os prejudica física, emocional e socialmente.

O fato é que os transtornos alimentares podem ter sua origem em fatores biológicos, mas em sua grande maioria, surgem de uma combinação de padrões culturais rígidos e excludentes em relação à aparência física e modelos estéticos extremamente idealizados.

A cura é bastante complexa porque passa pelo tratamento de um comportamento social que alimenta e se alimenta da doença. Somos muito facilmente atingidos pela crença de que se não estivermos de acordo com as expectativas sociais de aceitação, estamos condenados à falta de afeto e à solidão.

Estar fora do peso ideal numa sociedade que é obcecada pelo corpo de sílfide parece ser um crime social. Quando na verdade o crime é consentir na exclusão e marginalização daqueles que, por vontade, ou transtorno são descabidos.

Pensar um pouco a respeito disso não faz mal nenhum, não é mesmo? Apenas tentemos, para começar, a nos livrar um pouco desse peso do preconceito, sejamos nós aqueles que sofrem com o descabimento corporal ou aqueles que fazem sofrer. Para nos curarmos desse transtorno, precisamos entender que é um problema de saúde real, que requer tratamento médico e psicológico; mas também requer uma profunda reorganização das nossas habilidades sociais no quesito: respeitar e aceitar o outro com tudo o que ele tem, seja a mais ou a menos.

Imagem de capa:  Adele – foto do álbum “Send my love”

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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