Por Sylvio Ribeiro
Você se considera flexível desde que as coisas sejam feitas do seu jeito e é mais fácil nevar em Recife do que convencer você a fazer o que não está afim. Agora responda, com que frequência você faz concessões com o único objetivo de pegar leve, deixar a vida te levar pelo menos 2 horinhas de um sábado à noite?
Falo com tanta convicção porque todos nós somos assim, uns menos outros sempre, mas somos assim, e se não estivermos atentos, nos tornaremos pessoas chatas, amargas e que deixará escapar pequenos grandes momentos da vida.
No verão deste ano, eu tive uma das melhores férias da minha vida. Não viajei para Europa ou conheci uma cidade diferente no Brasil, eu fui para a minha cidade natal com a mulher da minha vida. Pela primeira, vi a minha família reunida em sua totalidade. Minha mãe com seus três filhos, dois genros, uma nora e dois netos. Havia dois anos que eu não via minha irmã mais nova e era a primeira vez que a minha namorada visitava a cidade. Um dos primeiros passeios que fizemos foi visitar um parque ecológico que levamos mais de 2 horas para chegar. Chegamos famintos e como e como era de se esperar, todos os pratos eram com peixe, camarão ou frango. Como vegetariano, normalmente eu teria ficado indignado e me alimentaria apenas de arroz. Mas vendo que não tinha outra alternativa e estava rodeado das pessoas que mais amo e só vejo uma vez por ano, pedi um vatapá (prato típico feito com dendê, camarão e folhas. Não é o mesmo servido na Bahia).
queles camarões foram os únicos pedaços de carne que eu ingeri em anos (e estavam deliciosos, admito). Essa exceção, ou concessão que você faz em determinada circunstância é o que os americanos chamam de gray area. Achei o termo “zona cinza” interessante desde a primeira vez que li em um livro do Jonathan Safran Foer. Interessante, mas não dei bola. Tempos depois pesquisando sobre isinglass (um componente animal presente em algumas cervejas) encontrei uma blogueira americana falando sobre a sua zona cinza Novamente, continuei não dando bola.
O que acontece quando um vegetariano convicto ama uma onívora inveterada? A 3ª Guerra Mundial! É um restaurante que não tem nada sem carne, um churrasco entre amigos que faz você levar comida de casa, uma receita que precisa ser modificada e por aí vai. Foi então que comecei a pensar na minha zona cinza, porque essas situações incomodavam ela e, consequentemente, a mim. Quais concessões eu poderia fazer, esporadicamente, que não comprometesse as minhas crenças nem o meu relacionamento? Eu poderia comer um pedaço de peixe a cada 2 meses, não poderia? Iria morrer por isso? (O The New York Times inaugurou uma nova coluna semana passada, chamada The Flexitarian, abordando justamente essa flexibilidade alimentar.) Decidi que não comeria carne vermelha e evitaria o frango, mas peixe e camarão eu abriria exceção de vez em quando. Também passei a permitir o uso de caldo de galinha quando ela cozinha. Cintos e sapatos de couro continuarão na zona cinza, devido a sua alta durabilidade. Para a blogueira americana, marshmallows faziam parte da sua zona cinza, para mim não. Você pode achar tudo isso uma besteira, mas todo mundo tem convicções que são uma tremenda besteira para os outros. E já que provavelmente você não é vegetariano, então pense na zona cinza como uma pergunta: O que você se permite fazer?
As zonas cinzas estão diretamente ligadas às nossas convicções. Acho importante termos um estilo musical definido, um jeito de vestir próprio e sem dúvida ter opinião própria é fundamental. Mas ninguém suporta alguém chato que não muda de ideia, não cede, não abre uma exceção sequer. Ter zonas cinzas ajudam você a ser mais flexível sem abrir mão dos seus gostos e convicções, elas definem até onde você pode ir. Por exemplo, se eu não gosto de pagode, mas se todos os meus amigos estiverem indo em uma ocasião especial, não vale à pena?.
Precisamos de convicções tanto quanto precisamos de flexibilidade, seja na alimentação, na música, no trabalho, no relacionamento. Precisamos nos esforçar para ver o lado positivo das coisas que não gostamos, isso é realmente difícil, mas um dos maiores valores que o ser humano pode ter. As últimas ditaduras do mundo estão caindo, vivemos em uma época onde há espaço para todos, e não é divertido ficar trancafiado no nosso mundinho se recusando a experimentar o que os outros têm de bom. Permita-se. Essa é a palavra da vez. Seja flexível, é a única maneira de garantir que você não vai quebrar.
Fonte indicada: Pequeno Guru