Por Clara Baccarin
Vamos falar sobre o ‘efêmero’. Palavra não tão usada quanto deveria, já que é um dos poucos adjetivos que podem qualificar tudo, exatamente tudo. Tudo o que você nota agora ao seu redor e em você é efêmero: computador, objetos, pensamentos, ideias e sentimentos. Nada, absolutamente nada é imutável, tudo está em constante transformação e movimento. Acredito que verdades são efêmeras, acredito que o amor é efêmero e isso apenas quer dizer que o amor, assim como tudo no mundo, se transfigura, muda, é onda, é movimento. E estou falando tudo isso pois quero discutir hoje sobre um dos nossos valores, nossos parâmetros para medir sentimentos. Medimos a importância e a legitimidade de um sentimento através do valor ‘tempo’.
Quando foi que o acúmulo de marcações em um instrumento artificial que deveria ser um facilitador das rotinas, vulgo relógio, se tornou o principal instrumento, diga-se de passagem um tanto ditador, de medida e dos valores dos sentimentos?
Sim, porque nunca vi celebrarmos bodas que foram calculadas na intensidade dos beijos, dos carinhos, na genuinidade do contato dos olhos, na originalidade do primeiro encontro, no brilho das pupilas dilatadas de dois seres se reconhecendo, na química inexplicável e inquantificável por qualquer ponteiro. Nunca vi comemorarmos bodas de ouro que foram medidas no diâmetro do arrepio dos pelos, no choque de peles desconhecidas que se encontram como polos opostos de um imã virgem. Nunca vi comemorarmos e festejarmos o amor genuíno que durou uma noite, um mês, uma temporada, mas que marcou uma vida. Que criou na memória um álbum de retratos mais antigo e mais denso do que as fotos tantas vezes posadas e corroídas a traças dos álbuns de família. Um amor que guardou mais cenas, que criou mais lágrimas, sorrisos e gozos do que as datas comemorativas contabilizadas nos calendários de papel.
Quando foi que amor verdadeiro começou a ser medido e definido pelo tempo? Quando foi que o valor do amor foi julgado pela quantidade de minutos que um aguenta perto do outro? Quando foi que por esse modo de marcação ditar o que é o amor, o amor, muitas vezes, acabou virando tantas outras coisas, menos amor de fato? Quando foi que nos tornamos maratonistas da paciência e aprendemos a conviver com materiais em decomposição só para finalmente provarmos ao mundo que tivemos, vivemos e aturamos um amor de verdade?
Vamos falar sobre o efêmero. O efêmero que é qualidade do que passa, às vezes demora uma vida para passar, às vezes demora uma noite. Às vezes a pessoa morre ou o sentimento dela morre antes dela e do seu sentimento morrer. O efêmero não é justo ou cuidadoso, ele só é fato, ele é apenas a única lei deste mundo.
O efêmero é o nosso único destino certo. E quanto tempo temos até que algo definhe? Não sabemos. E por que então teimamos em medir tudo nesse mundo e celebrar e comemorar as vitórias atribuídas pelo tempo, se o tempo, muitas vezes, será nosso primeiro traidor?
Vamos marcar nossas bodas, nossos sentimentos, nosso amor pela qualidade, pelo transbordamento, pela genuinidade, pela intensidade ao invés do simples, inconfiável, inconstante e mecânico atributo do tempo!
Hoje faço muitas bodas! Hoje celebro as bodas dos amores intensos!
E assim, compreendendo o ‘infinito’ como palavra que qualifica ‘intensidade’ e não ‘duração’, não posso deixar de citar o sábio mestre poeta Vinícius de Moraes (Soneto da Fidelidade):
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
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