“Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo.”
Um amigo querido pediu que eu escrevesse um texto falando sobre a temática das projeções, do ponto de vista psicanalítico, mas em uma linguagem simples e acessível ao público geral. O que eu consegui fazer encontra-se abaixo:
Projeções, constituem os comportamento e pensamentos que são atribuídos ao outro, mas que, na verdade, são formulações nossas, das quais não gostamos ou as quais não aceitamos. Logo, é mais fácil pensar que o outro pensa e faz algo pouco correto ou ético, do que admitirmos que nós mesmos estamos preenchidos com aquele pensamento, desejo ou comportamento em si. Ou seja, quando o comportamento aparece no outro, nós nos permitimos falar sobre ele e criticá-lo, muitas vezes até ferozmente.
Um exemplo clássico seria o caso das pessoas excessivamente ciumentas que atribuem ao parceiro o risco da traição, sendo que o desejo de trair ou mesmo o ato em si pode estar sendo cometido por elas próprias. No caso, os próprios pensamentos e atos tornam-se motivo de terror quando se imagina que o parceiro pensa ou age da mesma forma; pois, no fundo, a pessoa identifica seu comportamento “inaceitável” no outro. Logo, um mecanismo de defesa age quando o indivíduo não vê o seu comportamento ou pensamento como inaceitável, mas atribui ao outro o inaceitável: “Ele deve estar fazendo algo de errado!”
Outro exemplo são pessoas – isso acontece muito comigo – que copiam conteúdos e ideias de outras páginas na internet, mas falam de si mesmas como plagiadas pelos outros. É possível observar, ainda, pessoas que só veem maldade nos atos dos outros. Contudo, se pensarmos bem, onde estaria toda aquela maldade afinal? Nesse caso, a sabedoria popular oferece uma resposta, pois dita que “nós só falamos daquilo que está repleto o nosso coração”.
As eternas vítimas também utilizam-se muito da projeção, pois elas sempre supervalorizarão o que o outro fez “contra” elas, em vez de assumir a sua parcela de responsabilidade nas coisas que acontecem. Um exemplo seria aquela pessoa que reiteradamente falha em seus compromissos, palavras e ações, mas que quando é demitida ou deixada de lado, conta sobre a injustiça que sofreu, até mesmo com lágrimas nos olhos. O interessante é que a vítima, nesses casos, não consegue se responsabilizar pelo que fez porque fixa-se no que chama de injustiça. Mais uma vez, os mecanismos de defesa entram em ação ao protegê-la da realidade total e “projetar” uma realidade parcial, mas que a deixa na posição de coitadinha.
É claro que vítimas reais existem. No entanto, não é difícil detectar quando o que está falando mais alto são esses mecanismos projetivos que fazem com que a pessoa afirme, caso após caso, sobre como foi seriamente injustiçada. Quem participou ou presenciou o ocorrido, entretanto, sabe que a descrição se prende a uma realidade parcial, sobre a qual se cria até mesmo uma identidade de “pessoa injustiçada”. Esse mecanismo pode, inclusive, ser utilizado para obter ganhos secundários como atenção, solidariedade e pena dos que estão ao redor e que, muitas vezes, creem nessas afirmativas por muito tempo. Afinal, como não crer nessa fala uma vez que o próprio narrador acredita piamente nela?
Outra forma da projeção se manifestar é através do que chamamos de “idealização projetiva”. A idealização projetiva é o ato de admirarmos um comportamento do outro, mas que nós não seríamos capazes de realizar porque nossa consciência impede.
Tenho a impressão que o grande sucesso de séries como Mad Man e Breaking Bad é relacionado a isso. Em ambas vemos um protagonista amoral que faz o que quer e sem peso na consciência para atingir os objetivos almejados. Enquanto em Mad Man, o publicitário galã abandona a família, vive na riqueza, bebe, não vai ao trabalho e troca de mulheres (descartando as anteriores), sem nenhum escrúpulo; em Breaking Bad, Walter, o protagonista, cria um laboratório de metanfetamina para conseguir dinheiro rapidamente e prover a família antes que morra de uma doença grave que o aflige e que, teoricamente, justifica seus atos. Embora em ambos os casos haja algumas cenas de aparente consciência parcial, elas são sempre infinitamente menos relevantes que a busca do prazer imediato e realização dos desejos. Quem segue Breaking Bad, por exemplo, percebe o prazer que o professor sente ao assumir o poder, ao ter sua fórmula reconhecida pela qualidade e ao “dar as cartas” em tudo o que segue fazendo.
Ao assistir cenas de séries assim, o espectador projeta em seus personagens a possibilidade de fazer o que bem quer e sair-se bem ao mesmo tempo em que não tem que lidar com a consciência de usar pessoas ou mesmo sentir culpa. Afinal, em algum momento vimos Walter sentir real remorso por fornecer drogas e destruir vidas com isso?
Quem nunca se questionou como seria a vida se pudesse fazer o que quisesse e não precisasse se preocupar realmente com as consequências? Muito do charme dos sociopatas, por exemplo, é proveniente disso. Um certo grau de admiração por políticos corruptos, mas que ficam milionários, não seria o mesmo?
No fim, a projeção está relacionada com a não admissão ou aceitação de sentimentos e comportamentos tidos como “menores” em si mesmo, sejam eles egoísmo, ciúme, traições, ambição, indiferença ao próximo. Sendo assim, ou eu culpabilizo ou admiro um outro pelos desejos que na verdade existem dentro de mim.
A maturidade consiste na caminhada que todos fazemos ao identificarmos nossas responsabilidades de maneira global. Aceitar que dentro de nós existem desejos que nem sempre são “bonitos” do ponto de vista social imaginado, mas que fazem parte e compõem o nosso ser e influenciam nossas escolhas. Uma vez que reconhecemos esses desejos podemos escolher com sabedoria se queremos realizar e assumir as responsabilidade pelos nossos atos no lugar de falar mal dos outros ou nos colocarmos no papel de vítimas do destino.
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