Denise Araújo

Qualquer coisa pode ser pretexto para aprender

“Devemos aprender durante toda a vida, sem imaginar que a sabedoria vem com a velhice.” Platão 

Qualquer coisa pode oferecer oportunidade de aprendizado? De tudo podemos extrair alguma lição? Eu achava que não, mas até as situações mais improváveis acrescem saberes duráveis a depender da experiência e dos indivíduos envolvidos.

Hollywood ao simular uma historinha com Deus poderia até atrair a atenção de muitos, mas não a minha. O blackbuster “ A volta do todo poderoso” foi aos cinemas em 2007 e passou incólume. Não me interessei por assisti-lo. Aparentemente pastelão, de humor apelativo e, o que seria pior para mim, herético em demasia.

Admito que fui enganada. Não que ele seja um filmão, mas quanto ao não ter nada que toque profundamente eu fui surpreendida. A arte pode ser sofisticada ou não, pode também ter um universo sutil de saberes que poucos acessarão. A inteligência e a sensibilidade serão fundamentais na fruição. Não é disso que falo. A mesma obra pode mover e tocar cada ser humano de maneira singular e isso é puro sensível humano. Nada de superior ou inferior, bom ou ruim, entretanto tocante ou não. Uma vez alguém disse-me que não compreendia dança contemporânea, e eu que perambulo nesse universo repassei o que aprendi com bailarinos e professores: Não carece entender, apenas sentir.

Em uma noite de insônia dessas assisti ao filme “A volta do todo Poderoso”, que revive a famosa história da arca de Noé em dias atuais, digamos assim. A película engraçada retrata Evan Baxter ( vivido pelo ator Steve Carell), âncora famoso de um telejornal de Buffalo, eleito para congressista nos EUA pela primeira vez. Depois que mudou-se para Washington com a família para assumir o cargo político, ele começa a receber instruções e ferramentas de Deus (vivido pelo ator Morgan Freeman) para que construa uma arca, uma vez que um grande dilúvio estaria por vir.

Bem, é necessário falar que no início ele duvida e recusa a missão? Ocorre que uma série de situações para prejudicar sua vida acontece e ele acaba vencido, aceitando a missão. Esses momentos insólitos são o ponto alto do humor, os animais passam a perseguir Evan por todos os lugares, a barba e o cabelo crescem do dia para a noite e não adianta cortá-los, túnicas passam a ser o único figurino que consegue vestir (do contrário fica nu). Ele passa a ser exposto e ridicularizado pela imprensa, que ligeiro apelida-o de “ O Noé de New York”.

O casamento não escapa e entra em crise. A família sai de casa e afasta-se, até que uma conversa trivial com um garçom parece mudar a percepção de Joan ( vivida pela atriz Lauren Graham), a esposa de Evan. Ela desabafa que não está bem. O simpático garçom, por sua vez, descreve-se como exímio ouvinte e contador de histórias. Aquela estranha intimidade que atravessamos com um desconhecido… Parece que segredos condensados podem ali ser confessados… Quem nunca? O telespectador a essa altura sacou que o tal garçom na verdade é Deus, pois Morgan Freeman é quem aparece para o bate-papo informal. Ele diz adorar e conhecer bem a referência bíblica da arca de Noé. Diz que não se trata de um ato sobre a ira ou a fúria de Deus, contudo de amor, de acreditar uns nos outros.

Eles ficam instantaneamente envolvidos. Ele diz que nos primórdios os animais apareceram em pares, unidos e em família, assim como Noé permaneceu até o fim da tarefa, unido à sua família. Ela está confusa, diz que se Deus pediu ao marido para fazer o que disse, como ela deve lidar com isso? Ao que ele responde:

“ Parece uma oportunidade.

Se alguém rezar pedindo paciência, acha que Deus dará paciência ou Deus dará a oportunidade para ser paciente?

Se pedirmos coragem, Deus dá coragem ou dá a oportunidade de sermos corajosos?

Se alguém pede que a família seja mais unida, acha que Deus une a família com amor e alegria ou dá a eles a oportunidade de se amarem?”

Apesar de não saber que o próprio Deus falava, Joan parece entender a mensagem e procura o marido depois. Dali por diante toda a família passa a construir a tal arca. E o dilúvio vem. E tudo resolve-se. Hollywood, lembram? Entretanto não se trata disso.

Sabem o que achei singelo? A construção da arca era a oportunidade de união da família que Joan não enxergava.

E nós? Quais arcas precisamos enxergar? Quais arcas precisamos construir?

Hollywood pode ter sutilezas, mas não esperemos que o sobrenatural ou um Deus corporificado nos aponte.

Denise Araujo

Sou Denise Araujo e não tenho o hábito de me descrever. Não sei se sei fazer isso, mas posso tentar: mais um ser no mundo, encantada pelas artes, apaixonada pelos animais, sonhadora diuturna, romântica incorrigível, um tanto sensível, um tanto afetuosa, um tanto criança ...

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