Por Tatiana Nicz
“Amar é dar o que não se tem (a alguém que não o quer).” Jacques Lacan
Esses dias fui dormir com esse presente da minha conselheira. É uma frase profunda e real e me tirou o sono. O que é o amor? Há coisas na vida que não podem ser definidas, apenas sentidas. Amor certamente é uma delas. Mas, aceitei o desafio de falar sobre o tema. Talvez eu não seja muito indicada para falar sobre esse tema, porque não considero que realmente tenha experimentado o amor da maneira como gostaria. E quem não vive não conhece algo por inteiro.
Não quer dizer que não amei, amei de muitas maneiras, o primeiro amor, amores possíveis e impossíveis, amores não correspondidos, amores que não correspondi, platônicos, distantes, amores de histórias de Almodóvar e Nelson Rodrigues, em tudo isso entraram também medo, idealizações, racionalizações, dramas e, o que aprendi a chamar, muito auto-boicote.
Após algum tempo vivendo de meios amores e amores inventados, resolvi que era hora de dar um tempo, parar de buscar ou simplesmente parar. Porque menos que não tenha vivido, sei que amor não se busca e nem vem de nosso esforço. Então descobri algo bem óbvio, é provável que eu não tivesse conhecido o amor da maneira como acredito que ele é, em sua mais pura essência, porque ainda não conhecia o poder que existe em me amar e me aceitar. Hoje, felizmente, posso afirmar que conheço.
Mas o “problema” do amor próprio é que ele te torna um tanto auto-suficiente. Quanto mais eu me conheço e quanto mais tenho apreço pelo que me tornei, quanto mais entendo a profundidade das batalhas que travei, os caminhos que tracei e quando olho para tudo que me fez chegar a ser a pessoa que hoje sou, entendo que não preciso de ninguém para reconhecer como isso tudo é grandioso. Porque eu reconheço que é, isso basta.
Não, não é em tom narcisista ou arrogante que falo isso, com certeza sou imperfeita e incompleta, a única diferença é que aprendi a amar isso também. Aprender a respeitar e aceitar a impermanência da vida, a dançar conforme os diferentes ciclos que se apresentam e vivê-los por inteiro, aprender a enxergar beleza nas cicatrizes físicas e da alma, a dar sentido às nossas feridas, tudo isso não é algo que se pode adquirir com muita facilidade, muito menos através do outro.
Amar é algo que, que no que acredito, envolve conceitos parecidos com companheirismo, respeito, dedicação, admiração, e claro, amor em si. O mundo seria mesmo um lugar muito melhor se as pessoas soubessem amar dessa maneira, mais leve. Esse amor é lindo em teoria, mas quando juntamos ao nosso modelo lacrado e pasteurizado de relacionamentos, onde a fidelidade é exigida em contrato, onde o outro deve prestar contas, satisfações, onde duas almas se fundem em uma, é nisso que minha vontade de amar esbarra. Amar assim, tão convencionalmente, seguindo modelos impostos, sem liberdade, por obrigação é algo que não combina com a minha alma livre.
Certo dia li que existem três formas de relacionamentos, claro, devem existir milhares delas, mas achei curiosa essa descrição: quando 1 + 1 = 1 quando um dos dois se anula e só o que resta é a vontade do outro; quando 1 + 1 = 2 quando os dois têm personalidades e vidas bem distintas e constroem pouco juntos; quando 1 + 1 = 3, duas almas diferentes se unem em uma caminhada para formar uma terceira força, mais inteira e presente para o mundo.
Claro que acredito muito mais na última opção. Também acho que é a mais desafiadora e rara. Amar por afinidade muito mais que por necessidade ou convenção; saber que você não precisa do outro, mas escolher estar presente, caminhar lado a lado e co-construir é o que faz do amor algo tão grandioso.
O que entendo de amor e principalmente o que eu quero dele é algo totalmente diferente do que tenho visto por aí. A minha busca hoje é justamente abrir mão de ser reconhecida pelo outro, abrir mão de ser amada pelo outro, porque o que sinto por mim me basta. É um caminho difícil e solitário, mas que da sensação de completude.
Acredito que amor e liberdade são fruto de uma só raíz e liberdade tem a ver com poder de escolha, portanto acredito no poder de nosso ir e vir, do livre-arbítrio. Sendo assim, o amor é uma escolha. Escolher viver ou não a história que se apresenta, escolher amar o outro pelo que ele é. Escolher amar sem nada em troca. Escolher amar pela grandiosidade que existe no próprio amar. Sim, escolher amar e mais ainda, escolher como amar. Pois, quando o amor é livre, quando não é imposto e nem preso à nada, é ali, nessa linha tão tênue que a magia acontece. Quando damos algo que não temos e principalmente quando damos a quem não precisa, porque o outro também se basta, então o amor de fato pode florescer
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