Olhando bem direitinho para trás, cada um de nós vai conseguir se lembrar de algumas situações da vida em que, por falta de opção, maturidade, preparo, habilidade ou conhecimento, fez a escolha – sim! tudo é uma escolha – de não ver o que estava literalmente na frente do nariz.
Em defesa própria, proponho aqui uma experiência: peça para alguém aí do seu lado que pegue um objeto qualquer – de preferência com ao menos uns 50 cm de tamanho -; feche os olhos e peça a essa gentil pessoa que coloque o tal objeto bem grudado no seu nariz; abra os olhos e descreva o que você vê. Viu? Viu que quando algo está perto demais, ficamos impossibilitados de ver o todo?
Eu fiz aqui a experiência: com um livro colado às minhas narinas, pude dizer que era um livro e que era antigo; soube que era um livro porque reconheço o cheiro dos livros até de olhos vendados e soube que era velho porque tinha cheiro de livro velho. Mas fui incapaz de responder a perguntas que só seriam possíveis de responder se eu tomasse alguma distância e, de preferência, pudesse manusear. Que livro? Sobre o quê? Por que foi escrito? Por quem foi escrito? Quem ilustrou? Quantas páginas? Quantas edições?…
Ver, olhar e enxergar requer de nós algum distanciamento. Requer de nós alguma imparcialidade, muita sabedoria, uns bons anos de experiência, disponibilidade para desencaixotar o olhar e abrir a mente. Sem esses pré-requisitos a visão fica distorcida, rasa e prejudicada.
A vida é uma sucessão infinita de coisas coladas aos nossos narizes. Na ânsia de possuir, experimentar, sentirmo-nos incluídos, nos aproximamos demais daquilo que desejamos, das experiências que queremos viver, dos ideais que abraçamos, das crenças que optamos por acolher em nossas almas.
Quantas vezes assistimos algum amigo, ou amiga, embarcar numa canoa furada, seja essa canoa um relacionamento, um emprego ou a simples compra de um objeto de desejo. Estou citando a questão do amigo, ou amiga, porque é muito mais fácil para qualquer um de nós enxergar uma roubada, quando a roubada é alheia, confere? Confere. E a razão é simples: a roubada é do outro e, portanto, não está grudada nos nossos narizinhos.
Bem, supondo que o amigo, ou amiga começou um namoro. Então, ao sermos apresentados ao “conje” ou “conja” sejamos surpreendidos pelo erro inequívoco da escolha. E, não, não estou falando da aparência, até porque a aparência realmente é o DE MENOS! Estou aqui a falar acerca da envergadura moral e ideológica do par amoroso. Quanto mais a pessoa fala, ou não fala, a gente vai ficando cada vez mais chocado e preocupado.
No final do rolê, diante dos olhos embevecidos do nosso amigo, ou amiga, acometidos pela cegueira da síndrome do relacionamento novo, mais conhecida como paixonite, nos despedimos e vamos para nossas casas com uma pulga de dimensões continentais atrás da orelha. Será que fulano parou a terapia? Será que foi abduzido? Será que anda tomando algum chá alucinógeno? Será que eu não conhecia meu amigo, ou amiga de fato? Será que sou eu o errado? E o pior: O que faço agora? Falo? Calo-me?
É, companheiros e companheiras, conviver é mesmo coisa complicada! Quando estamos diante da cegueira voluntária alheia é fácil ver o equívoco, o que não torna em nada o passo seguinte mais fácil, posto que se trata da vida alheia. E vida alheia é território sagrado, é lugar que se pisa com amor e cuidado.
Em geral, o correto e mais terapêutico, é ajudar o coleguinha a refletir por conta própria, dando uns pitaquinhos de leve. Sabe como é? Tipo assim: “Uau, como fulaninho é cuidadoso com você né? Fiquei impressionada aquela hora em que você foi ao banheiro, demorou cinco minutos e ele já ficou preocupado, perguntando por que você demorou tanto!”; “Nossa! Foi “curioso” quando fulaninho fez aquela piada sobre seu amigo gay, né?”; “Caramba! Como fulaninho é ilustrado, né? Leu todos os livros do Augusto Cury… Ahhhhhh não foram os livros… Ele segue o Augusto Cury no Instagram! Uau!”.
Entretanto, contudo, todavia, se depois desses “toques” a criaturinha apenas sorrir, com o olhar distante, ou argumentar a favor do bofe e, depois disso, passar a evitar a sua companhia… Não há o que fazer! Sinto muito! É esperar o tempo se encarregar de esclarecer as duras realidades da vida, respeitar o espaço alheio e torcer para ser você o maluco. E caso dê “caca”, estar por perto para ouvir, acolher, dar colo e não julgar. E o mais importante: NUNCA, JAMAIS, EM TEMPO ALGUM DIZER “SÓ VOCÊ QUE NÃO VIU!” OU “EU TENTEI AVISAR!”.
Afinal de contas, quem nunca escolheu um sapo achando que era gente, certo?
Agora, em se tratando da cegueira ideológica, aquele tipo de cegueira que faz a gente fazer escolhas equivocadas diante da urna eletrônica… Hummmmm… Aí a coisa já fica beeeeem mais complicada. Porque o crush não tem currículo emocional e moral publicado no Google, né? Mas candidato a cargos públicos têm. Tem vídeo no Youtube pra gente ver. Tem registros nas plataformas online. Alguns já estão na política há mais de vinte anos fazendo, dizendo e propagando bobagens.
Neste caso, por experiência própria, vivida na carne, no coração e na alma, eu vou arriscar aqui um conselho: não perca seu tempo! Esse tipo de cegueira voluntária é mais grave, mais profundo e, em geral, incurável! Porque a cura passa pela admissão do erro. De um erro que ferrou com a vida da “geral”! Não se trata do solo sagrado da vida individual e privada. Trata-se de uma nação inteira pagando pelos cegos que não souberam distinguir mito de farsa.
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Imagem de capa meramente ilustrativa: a imagem é da peça teatral “ENTRENSEJOS”, exibida em Maringá em agosto de 2019.
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