A jovem, estreante nos caminhos do amor, aproximou-se cabisbaixa da mãe:
– O que acontece quando uma represa vai guardando tanta água que arrebenta com as comportas?
– Filha, a água sai com muita força e acaba inventando outros caminhos, além do antigo curso do rio. Por que a pergunta?
– É que tenho uma represa no fundo dos olhos, mãe. Se ela romper as comportas do rosto e da alma, eu me derramo inteira, como se toda a minha existência fosse um choro imenso, e preciso saber em que mar eu irei desaguar.
A dor, quando quer externar-se, ela reveste os olhos de tristeza. Olheiras, é sabido, são lágrimas represadas. Avolumam-se nos dias mais tristes e tornam-se escuras devido à força do salubre líquido que bate forte contra as suas paredes. Se não há suficiente vazão, fingem-se semi luas, disfarçam-se de noite.
A menina ainda não saiba que o amor exige mais que a entrega, mais que sensível doação de afeto, de ternura; que o amor exige mais que a veneração e a eleição do ser amado. O amor exige, acima de tudo, o respeito.
Respeito às escolhas dos outro. Exige respeito à individualidade do outro, ao desejo, ao pensamento, ao sentimento do outro. O verdadeiro amor é um exercício de compreensão e alteridade. É quando, ao respeitar integralmente o amado, alcançamos um novo patamar de autorrespeito e autoaceitação.
Até a compreensão chegar, cabe-nos administrar a tristeza, dando vazão, pelas lágrimas, à dor que os nossos olhos represam. Cabe enamorarmo-nos de nossas olheiras e ver, no rosto abatido mirado no espelho, na face avermelhada de choro, o encantamento de um humano que cresce. Saber que a dor que os nossos olhos represam é proporcional ao afeto que de nosso peito transborda.
Então a mãe olha a filha de olhos já marejados e diz:
– Recosta no ombro da mãe, filha.. E chora. Porque a lágrima é a única sagrada moeda com que um coração pode comprar a liberdade de si mesmo. E não se preocupe com o fluxo das águas. Elas sempre encontrarão o caminho do mar.
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