De repente não mais que de repente o amigo próximo fez-se distante – ou será que fomos nós que tomamos aquele velho navio?
Diz a canção que a hora do encontro é também a da despedida. Demorei um tempo para entender a dualidade desse verso: pessoas se (re)encontram numa estação ou cais, enquanto outras tantas se despedem e, muitas vezes, quando nos encontramos com nós mesmos nos despedimos de velhos amigos.
E como é triste reconhecer (e admitir) isso! Dói tanto quanto apartar-se de um grande amor.
Aliás, como reconhecer que uma amizade acabou? As amizades acabam?
Há quem diga que o que é real não tem fim. Que a amizade quando é verdadeira é para a vida inteira. Mas na prática não é bem assim que funciona.
O afeto pode ser para a vida inteira, mas a vontade de estar junto, de trocar, de dividir, não.
O sentimento de amizade pode ser eterno, mas o desejo de manter um relacionamento com um amigo, nem sempre.
Dia desses, tomando dois cafés e uma água com gás com um amigo querido, ele me disse:
– Sabe aquele tipo de amigo que a gente ama muito, muito mesmo, que é capaz de doar um rim caso ele precise, mas que a gente não gosta mais?
Respondi:
– Não! Como é isso?
Foi então que ele me explicou que o amor por um amigo pode ser eterno, mas que para dividir a vida, as alegrias, as dores, os dramas, os cafés, os vinhos, os anos, as belezas e os danos é preciso sentir prazer na partilha, empatia e gostar imensamente da companhia da pessoa.
As amizades contam com uma boa dose compatibilidade – de gênio, de gostos, de pensamentos, de energia – e quando uma das partes muda seu jeito de pensar, sentir e agir no mundo, é natural que a compatibilidade ceda lugar à incompatibilidade e com isso o prazer de estar junto arrefece.
O que o afeto tem a ver com isso? Absolutamente nada! Nenhuma incompatibilidade é capaz de anular o amor que sentimos por um amigo. Nenhuma mudança, evolução ou crescimento de uma das partes é capaz de apagar a importância que certas pessoas tiveram e têm em nossas vidas.
Às vezes acontece de aprendermos a desdramatizar as coisas antes de um amigo, ou a lidar com nossos medos e faltas de maneira mais leve e efetiva, ou, ainda, de mudarmos completamente de ideia acerca de um assunto, tornando os encontros superficiais e chatos. Como trocar com quem não está na mesma sintonia que nós?
Pode acontecer, também, de nos apaixonarmos por alguém e essa paixão nos roubar de nós e de todos que nos cercam; uma mudança de cidade, um insight poderoso na análise, um salto de paraquedas, um tropeço na calçada.
Se tudo pode acontecer a qualquer momento, se nunca somos os mesmos quando acordamos pela manhã, se um homem não se banha no mesmo rio duas vezes, por que teimamos em não aceitar que as amizades também se transformam e que assim como as relações amorosas às vezes terminam?
Talvez meu amigo tenha razão: é possível, sim, amar uma pessoa, mas não gostar mais dela. Constatar isso é mais desconcertante que rever um grande amor. Desorienta. Traz uma sensação incomoda de traição. Mas fingir intimidade (e empatia) é pior que fingir orgasmo, então, o jeito é manter a espinha ereta, a mente quieta, o coração tranquilo e praticar a entrega.
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